quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Relação do Direito Processual Civil com os outros ramos do Direito:

Misael Montenegro Filho
Devemos compreender que o direito processual civil não se apresenta de forma isolada, como se a sua aplicação não dependesse de outros ramos da ciência jurídica. Intrínseca é a sua ligação com o Direito Constitucional, com o Direito Penal, com o Direito Comercial, com o Direito Civil, com o Direito do Consumidor etc.
No Direito Constitucional, os princípios processuais de maior relevo se encontram alocados na Carta Magna, muito se qualificando como direitos e garantias fundamentais, não passíveis de modificação ou de supressão.
Necessário destacar que a Carta Magna disciplina os órgãos do Poder Judiciário, a partir do seu art.92, atribuindo competência a cada um deles (entendida com a fração da jurisdição ou a parcela do poder/dever atribuído ao Estado para solucionar os conflitos).
No direito penal, ao considerar vários fatos penais como relevantes, acaba por nos remeter ao citado ramo do direito, para que sejam retirados os conceitos necessários à compreensão dos institutos positivados no âmbito do direito processual civil.
No direito comercial, documentos que são tratados pelo direito comercial, ali se encontram definida a sua natureza, o seu objeto, os seus requisitos e os seus contornos jurídicos, provando a clara ligação com o direito processual civil.
O direito processual civil, encartado no direito público, não pode ser visto de forma isolada, mas como mero comportamento da ciência jurídica, em primeiro plano se apoiando em regras constitucionais, sustentando alguns que a tendência é a criação do denominado direito processual constitucional.
“O fenômeno da ‘constitucionalização’ de diversos instrumentos e princípios processuais tem sugerido o surgimento de um ‘direito processual constitucional’ cuja exegese influi em toda a interpretação da legislação ordinária” (LUIZ FUX, Curso de Direito Processual Civil, 2001).
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Processo e Constituição:
Fredie Didier Júnior

Da segunda metade do século XX pra cá, se desenvolveu uma teoria sobre o novo papel do Direito Constitucional, chamada Neoconstitucionalismo. Até início do século XX, o Constitucionalismo era mais um projeto político do que um texto normativo. Caracteriza-se, hoje, pela revalorização do papel da Constituição. Ela é a principal fonte normativa. Até então a Constituição era vista como um pedaço de papel sem força normativa. O estado que vigorava era o estado da lei, legal ou legislativo. Passou-se, então, a perceber que o estado tinha que ser constitucional.
Foi durante o Neoconstitucionalismo que se desenvolveu a Teoria dos Direitos Fundamentais e a Teoria dos Princípios como espécies normativas. Há 50 anos os princípios não eram vistos como norma, eram visto como valor ou forma de integrar o direito. O princípio tem força normativa nos dias atuais.
O art. 126, CPC, diz que o juiz decidirá com base na lei, se não houver lei, com base na analogia, se esta não existir com base nos costumes e, somente se não houvesse jeito, seria decidida com base nos princípios. Isto mudou radicalmente. Hoje isso está completamente superado, pois é incontroverso que princípio é norma.
Hoje lei é norma, que poder ser constitucional, infraconstitucional. Pode ser um princípio ou regra.
A terceira grande conquista foi o Neoconstitucionalismo que aprimorou a jurisdição constitucional.
Essa mudança de repertório repercutiu no processo. O processo hoje deve ser estudado de acordo com essas premissas teóricas. O que deve prevalecer é a Constituição, que deve ser concretizada e que possui força normativa.
Os livros de direito processual civil dizem que processo civil processual civil passou por três fases, quais sejam:

>> Praxista ou sincretista – direito processual não era autônomo, se confundia com o direito material; não havia objeto autônomo de investigação cientifica;
>> Processualismo ou fase autonomista – processo já era visto como algo distinto do direito material e os seus institutos passavam a ser estudados isoladamente (petição inicial, ação, recurso etc.);
>> Instrumentalismo – processo e direito material são realidades distintas, mas um depende do outro. Processo, embora distinto do direito material, deve servir ao direito material. Símbolo dessa corrente é Dinamarco (em sua obra não há referências ao neoconstitucionalismo).
Muitos começaram a defender que já estaríamos numa quarta fase do direito processual, a do neoprocessualismo: concepção teórica que visa aplicar ao processo o neoconstitucionalismo e tudo que ele desenvolveu ao processo. É a redefinição das categorias e institutos processuais à luz das premissas do neoconstitucionalismo. Um livro marco deste pensamento é o vol. 1 da coleção de Marinoni.

OBS.: No Rio Grande do Sul, há uma concepção teórica, que vem ganhando muitos adeptos, que parte dessas mesmas premissas, do mesmo lastro teórico, mas recebe um nome distinto: FORMALISMO-VALORATIVO. Eles se preocupam muito com a boa-fé no processo, com essa nova metodologia jurídica. O reforço da ética processual é uma marca dessa concepção. O formalismo-valorativo é o neoprocessualismo mais uma preocupação ética com o processo, com cooperação. (Obs.: em concurso, não é a mesma coisa do neoprocessualismo). Texto símbolo dessa corrente é um de Carlos Álvaro de Oliveira.

OBS.: Há hoje em dia um movimento teórico crítico ao neoconstitucionalismo. Ora criticando a terminologia, ora criticando os abusos do neoconstitucionalismo. Questionando, por exemplo, o papel dos juizes - que, para os neoconstitucionalistas é o “grande cara”, o sujeito protagonista do processo - diz-se que isso é ruim para a democracia, dado que juiz não é eleito, não é representante do povo. Este ano, essas críticas foram encampadas por Humberto Ávila (ler texto dele na Internet, Didier tem certeza que esse texto será cobrado nos próximos concursos – www.direitopublico.com.br).

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Bibliografia:
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil, vol. 1. - 4.ed. São Paulo: Atlas, 2007.
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Caderno de anotação do curso LFG. 2009.

Direito Processual Civil e o Princípio do contraditório e da ampla defesa:

Misael Montenegro Filho



Inserido no art.5º, LV da CF, justifica-se pela sua importância na dinâmica processual, conferindo às partes, de forma isonômica, o direito de produzir todas as provas que entendam necessárias à formação do convencimento do juiz.
Os princípios do contraditório e da ampla defesa não são restritos ao processo jurisdicional. Também os processos administrativos devem respeita-los, inclusive para o efeito de legitimar, em razão da participação do interessado, o provimento final que venha eventualmente a atingir o universo jurídico deste (TRF 3ªRegião – AMS 49932).
As provas postas à disposição das partes, de forma específica ou geral, têm o seu momento de produção, numa linha de raciocínio lógico-sistemática.
A juntada de documentos aos autos é garantida em decorrência da aplicação do princípio do contraditório e da ampla defesa, mas se encontra condicionada e limitada, estabelecendo a Lei de Ritos fases apropriadas para que essa juntada se materialize.
“As partes não podem guardar trunfos no processo; por isso, devem propor as provas que pretendem produzir na primeira oportunidade que têm para falar nos autos, ou seja, o autor na inicial, e o réu na sua defesa” (Luiz Fux, Curso de direito processual civil. 2001).
O fato de o magistrado se negar a ouvir testemunhas que foram intempestivamente arroladas não importa, como lógico, na infração ao princípio do contraditório e da ampla defesa. Bem como, a inexistência de recurso para o combate de determinada decisão judicial, como exceção, não infringe o princípio.
O princípio constitucional, aplicado ao processo civil, representa a garantia de que os envolvidos na lide (não apenas as partes), com pretensão deduzida, podem se valer de todos os meios de prova (desde que não sejam ilícitas ou moralmente ilegítimas) para ratificar a existência do direito que sustentam, importando, ainda, na certeza de que o juiz deve dispensar tratamento isonômico às partes em litígio.
O deferimento da liminar ou da tutela antecipada, sem a ouvida da parte contrária, em tese arrepia o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa.
“A autorização para concessão de liminares e de medidas cautelares, em geral, sem a audiência da parte contrária deveria ser objeto de reexame do legislador, no sentido de restringir ao máximo essa prática temerária, pois sua adoção indiscriminada, põe em risco a credibilidade do Poder Judiciário, violando os direitos daqueles que, muitas vezes, é precisamente quem precisa ser amparado” (José Cretella Neto, Fundamentos principiológicos do processo civil, 2002).
Essa atuação do magistrado não importa, pelo menos em regra, na infração ao princípio constitucional examinado, desde que venha em companhia da observância de outros princípios constitucionais, sobre tudo do da motivação.
“A cautelaridade ou satisfatividade do provimento jurisdicional que dá a tônica ao respeito ou desrespeito ao princípio da bilateralidade da audiência. Haveria ofensa ao mandamento constitucional se o réu não se desse oportunidade de defesa ou de recurso contra a liminar (cautelar ou antecipatória do resultado) concedida a seu desfavor. O cerne da questão se encontra na manutenção da provisoriedade da medida, circunstância que derruba a alegada inconstitucionalidade das liminares concedidas sem a ouvida da parte contrária” (Nelson Nery Júnior, Princípios do processo civil na constituição federal, 2002).
O magistrado deve demonstrar que o excepcional deferimento da providência pleiteada, sem a ouvida da parte contrária (sem estabelecimento do contraditório), se deu por ter o autor preenchido, de forma objetiva, os requisitos peculiares à espécie (fumus boni juris e periculum in mora – na cautelar - e prova inequívoca da verossimilhança da alegação e periculum in mora ou manifesto propósito protelatório do réu – antecipação da tutela).
Deferida a liminar ou a antecipação da tutela, será aplicado a partir daí o princípio do contraditório e da ampla defesa, por meio da garantia atribuída ao réu de oferecer a sua defesa, rebatendo e tentando afastar a medida meramente provisória.


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Contraditório e ampla defesa

Fredie Didier Júnior


Possui duas dimensões: formal e substancial.
Ele garante à todos o direito de participar de processo que lhe diga respeito, que possa afetar o seu interesse (este é o sentido formal). Isto vale para a atividade jurisdicional e administrativa. Está garantido constitucionalmente.
Este sentido não exaure o conteúdo normativo do princípio do contraditório.
Não é qualquer contraditório que nos é garantido. Na dimensão substancial, temos o poder de influenciar o conteúdo da decisão. O direito à prova é conseqüência da dimensão substancial do contraditório.

CONTRADITÓRIO = PARTICIPAÇÃO + PODER DE INFLUÊNCIA

A garantia de ampla defesa é a dimensão substancial do contraditório. É o reforço de poder processual para poder convencer o juiz de suas afirmações.
O juiz não pode se manifestar sobre questão a respeito da qual não houve oportunidade de contraditório, pois a parte não pode convencer o juiz de que ele estava errado. Nesta hipótese, há violação do contraditório. Isto vale mesmo em relação às questões em que se pode conhecer ex oficio.
Como compatibilizar as decisões liminares com o contraditório?
As decisões liminares são precárias, provisórias. Aqui há um contraditório postecipado. Ademais, as liminares se justificam pelo perigo de que o tempo para citar o réu cause lesão a direito.




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Bibliografia:

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil, vol. 1. - 4.ed. São Paulo: Atlas, 2007.

DIDIER JÚNIOR, Fredie. Caderno de anotação do curso LFG. 2009.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Direitos Humanos: Caso Velasquez Rodriguez:

No plano da jurisdição contenciosa, referência obrigatória é o famoso caso “Velasquez Rodriguez”, atinente ao desaparecimento forçado de indivíduo no Estado de Honduras.

Em 1989, a Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu uma decisão pioneira, ao interpretar a Convenção Americana, impondo aos Estados-partes o dever de investigar certas violações de direitos humanos e punir seus perpetradores. A decisão foi proferida no caso Velasquez Rodriguez, que foi submetido à Corte pela Comissão Interamericana, contra o Governo de Honduras, concernente ao desaparecimento de Manfredo Velasquez, em setembro de 1981.

Em petição inicial encaminhada em 1981 se atinha ao fato de que Angel Manfredo Velasquez Rodriguez fora violentamente preso, sem qualquer autorização judicial, por membros da Divisão Nacional de Investigação e Forças Armadas. Denunciava também que Velasquez Rodriguez fora vítima de tortura cruel e desaparecimento forçado.

Considerando que até 1986 a vítima continuava desaparecida, a Comissão Interamericana reconheceu que o Governo de Honduras não havia oferecido provas convincentes que permitissem afastar a denúncia recebida. Em face disso, a Comissão encaminhou o caso à apreciação da Corte Interamericana, tendo em vista que o Estado de Honduras reconhecia sua jurisdição.

Ao fundamentar a decisão, a Corte afirmou: “O desaparecimento forçado de seres humanos é uma violação múltipla e contínua de muitos direitos constantes da Convenção, que os Estados-partes são obrigados a respeitar e garantir. (...) Como conseqüência desta obrigação, os Estados devem prevenir, investigar e punir qualquer violação de direitos enunciados na Convenção e, além disso, se possível, devem buscar a restauração de direito violado, prevendo uma compensação em virtude dos danos resultantes da violação. (...) a falha de ação do aparato estatal, que está claramente provada, reflete a falha de Honduras em satisfazer as obrigações assumidas em face do art.1º (1) da Convenção, que obriga a garantir a Manfredo Velasquez o livre e pleno exercício de seus direitos humanos”.

Claramente, no presente caso, a Corte não pode ordenar que seja garantido à vítima o exercício do direito ou liberdade violada. A Corte, entretanto, pode determinar que as conseqüências da afronta a direitos sejam remetidas e que a compensação seja efetuada.
Bibliografia: Flávia Piovesan. Direito Humanos a luz da Constituição de 1988. 2008

Convenção Americana dos Direitos Humanos:

O sistema regional interamericano de proteção dos direitos humanos tem como documento principal, fundamental, a Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como “Pacto de São José”, uma vez que foi aprovada e assinada em São José da Costa Rica, em 22.11.1969, quando da realização de conferência inter-governamental convocada pela OEA, apenas passível de adesão pelos Estados-membros da Organização dos Estados Americanos.

Carlos Weiss esclarece que a elaboração da Convenção “remonta a 1959, tendo sido um projeto encaminhado à recém-criada Comissão Interamericana de Direitos Humanos, mas sua edição foi ameaçada pelo surgimento dos pactos internacionais da ONU em 1966, eis que dois países – Argentina e Brasil – entendiam ser bastantes os tratados globais. Sua entrada em vigor ocorreu apenas em 1978, com o depósito do 11º instrumento de ratificação na Secretaria Executiva da OEA”[1].

A fim de obter a adesão dos Estados Unidos, “a Conferência de São José da Costa Rica decidiu deixar para um Protocolo à parte a declaração de direitos econômicos, sociais e culturais; Protocolo esse que só veio a ser aprovado na Conferência Interamericana de São Salvador, em 17 de novembro de 1988”. Além desse, outro “Protocolo adicional à Convenção é o acordo sobre a abolição da pena de morte, obtido na Conferência Interamericana de Assunção, em 08 de junho de 1990”[2].

O Brasil, ressalte-se, aderiu tardiamente à Convenção, tão-somente em 25.9.1992.
Analisando a Convenção, verificamos que esse documento aborda essencialmente os direitos civis e políticos, pelo que seu conteúdo é muito semelhante ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966. A Convenção abriga disposições que tratam do reconhecimento da personalidade jurídica, do direito à vida (garantido desde o momento da concepção), do direito à integridade pessoal (contempla a separação entre condenados e acusados de crimes e entre adultos e menores, conferindo às penas privativas de liberdade a finalidade de readaptar socialmente o condenado), do direito de não ser submetido à escravidão, direito à liberdade pessoal (aí compreendidos locomoção e residência, consciência e religião, pensamento e expressão, reunião e associação); também contempla as garantias judiciais, o direito à resposta (diante de informações inexatas ou ofensivas, emitidas pelos órgãos de comunicação em massa), privacidade, nacionalidade, participação no governo, igualdade perante a lei e a proibição da aplicação retroativa das leis penais.

Fábio Konder Comparato, analisando mais detidamente o conteúdo da Convenção, traça referências quanto a alguns direitos nela existentes. Diz que a disposição contida no art. 4º, que trata do direito à vida, representou um avanço em relação ao contido no Pacto dos Direitos Civis e Políticos de 1966, enfatizando que nesse caso se aplica o princípio da prevalência dos direitos que sejam mais vantajosos para a pessoa humana. Conseqüentemente é aplicado aquele direito que conferir maior proteção.

No caso, evidencia, a Convenção proíbe o restabelecimento da pena de morte nos Estados que a tenham abolido. Veda, ainda, a imposição da pena de morte a delitos políticos ou a delitos comuns conexos com delitos políticos, e assim, os Estados que aderiram à Convenção estão proibidos de adotá-la nesses casos, ainda que haja previsão no direito interno.

Além dessa consideração, o ilustre jurista, em relação a temas atualíssimos, que são o aborto e a clonagem, acentua que: “Ao dispor no art. 4.º que o direito à vida deve ser protegido pela lei desde o momento da concepção, vedou em princípio a legalização do aborto. Digo ‘em princípio’, porque a cláusula em geral, constante dessa disposição, parece abrir a possibilidade do estabelecimento de exceções à regra. De qualquer forma, tal como redigido, o artigo proíbe também, em princípio, as práticas de produção de embriões humanos para fins industriais (utilização de seus tecidos na fabricação de cosméticos, por exemplo), bem como na clonagem humana para finalidades não reprodutivas e, portanto, com destruição do embrião”. Admite tão-somente uma exceção, que considera eticamente admissível, a essa regra geral proibitiva, que é o caso “da obtenção de embriões clonados para tratamento de doenças neurodegenerativas do próprio sujeito ...” [3].

A esse respeito, sustenta a possibilidade da clonagem humana para fins terapêuticos (por exemplo, tratamento de doenças neurodegenerativas, como o mal de Parkinson ou o de Alzheimer) no próprio sujeito cujas células foram clonadas, ressaltando que: “Todas as outras práticas de fecundação artificial ou de engenharia genética violam, claramente, o princípio kantiano de que a pessoa humana não pode ser utilizada como simples meio para a obtenção de uma finalidade alheia, pois ela deve sempre ser tida como um fim em si mesmo”[4].

A Convenção, podemos ainda citar, proibiu a prisão por dívidas, excepcionando tão-somente a prisão administrativa decretada em razão de inadimplemento de obrigação alimentar (art. 7.º), elencou garantias judiciais (art. 8.º), e trouxe, pela primeira vez, disposição relativa ao direito à propriedade privada (uma vez que o Pacto de 1966 não tem qualquer previsão), e fê-lo, segundo Fábio Konder Comparato, num sentido justo e equilibrado, uma vez que o art. 21 estabelece que o uso e o gozo dos bens está subordinado ao interesse social. Ainda de importância, condenou a usura e toda forma de exploração do homem pelo homem, invocando que essas condutas devam ser reprimidas pela lei.

No que toca às garantias judiciais, Carlos Weiss[5] diz que tais garantias são, em regra, coincidentes com as consagradas no sistema universal, todavia destaca a prevista na alínea "e" (direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei), enfatizando que essa garantia não tem previsão no sistema global, inclusive está presente no texto constitucional brasileiro, no art. 134, que prevê a defesa e orientação dos necessitados por parte da Defensoria Pública.

Como já destacamos, a Convenção reconhece e assegura um rol superlativo de direitos civis e políticos; porém, praticamente nada menciona quanto aos direitos sociais, culturais e econômicos, inclusive não os enumera. A única referência encontrada está no art. 26: “Os Estados partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados”.

Resta ainda mencionar, quanto às possibilidades de suspensão ou derrogação dos direitos e garantias, que a Convenção segue o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, uma vez que elenca, no art. 27, item 2, o rol de direitos não passíveis de suspensão, mesmo naquelas situações que permitam essa medida.

Quanto ao sistema de monitoramento, esse é integrado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

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[1] Op. cit. p. 99.
[2] COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 2.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 364-365.
[3] Op. cit. p. 365-366.
[4] COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit. p. 293.
[5] Op. cit. p. 100.

DEFINIÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO:

Definição é a declaração da estrutura essencial de determinado fenômeno, com seus integrantes e o vínculo que os preserva unidos. Temos como definições:
  • Definição subjetivista – Hueck e Nipperdey: “... o Direito do Trabalho é o direito especial de um determinado grupo de pessoas, que se caracteriza pela classe de sua atividade lucrativa (...) é o direito especial dos trabalhadores (...) O Direito do Trabalho se determina pelo círculo de pessoas que fazem parte do mesmo”.
  • Definição objetivista – Messias Pereira Donato: “corpo de princípios e normas jurídicas que ordenam a prestação do trabalho subordinado ou a este equivale, bem como as relações e os riscos que dela se originam”.
  • Definição mista – Octavio Bueno Magano: “conjunto de princípios, normas e instituições, aplicáveis à relação de trabalho e situações equiparáveis, tendo em vista a melhoria da condição social do trabalhador, através de medidas protetoras e da modificação das estruturas sociais”.

Nesse quadro, o Direito Individual do Trabalho define-se como: complexo de princípios, regras e institutos jurídicos que regulam, no tocante às pessoas e matérias envolvidas, a relação empregatícia de trabalho, além de outras relações laborais normativamente especificadas.

Já o Direito Coletivo do Trabalho pode ser definido como: o complexo de princípios, regras e institutos jurídicos que regulam as relações laborais de empregados e empregadores, além de outros grupos jurídicos normativamente especificados, considerada sua ação coletiva, realizada autonomamente ou através das respectivas associações.O Direito do Trabalho, no sentido lato, pode ser definido como: complexo de princípios, regras e institutos jurídicos que regulam a relação empregatícia de trabalho e outras relações normativamente especificadas, englobando, também, os institutos, regras e princípios jurídicos concernentes às relações coletivas entre trabalhadores e tomadores de serviços, em especial através de suas associações coletivas.

Bibliografia: DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: editora LTr, 2008.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

LEI NO ESPAÇO

1. Princípios de Aplicação da Lei Penal no Espaço:

Apontam-se na doutrina cinco Princípios a respeito da aplicação da lei penal no espaço. O princípio de territorialidade prevê a aplicação da lei nacional ao fato praticado no território do próprio país.
O princípio de nacionalidade (ou personalidade) cogita da aplicação da lei do país de origem do agente, pouco importando o local onde o crime foi cometido. Esse princípio subdivide-se em duas subespécies: o da nacionalidade ativa, em que somente se considera se o autor do delito é nacional, sem se cogita da vítima; e o da nacionalidade do agente passiva, que exige, para aplicação da lei penal, sejam nacionais o autor e o ofendido do ilícito penal.
Pelo princípio de proteção (da competência real, de defesa), aplica-se a lei do país ao fato que atinge bem jurídico nacional, sem nenhuma consideração a respeito do local onde foi praticado o crime da nacionalidade do agente. Defendem-se, assim, os bens jurídicos que o estado considera fundamentais.
Pelo princípio da competência universal (ou da justiça cosmopolita), o criminoso deve ser julgado e punido onde for detido, segundo as leis desse país, não se levando em conta o lugar do crime, a nacionalidade do autor ou o bem jurídico lesado. Por fim, há princípio da representação, subsidiário, que determina a aplicação da lei do país quando, por deficiência legislativa ou desinteresse de outro que deveria reprimir o crime o crime, este não o faz, e diz respeito aos delitos cometidos em aeronaves ou embarcações.

2. Territorialidade:

Prevê o art. 5 do CP: ''Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional''. É evidente, portanto, que nossa legislação consagra, como base para a aplicação da lei penal no espaço, o princípio da territorialidade, não se trata da doação absoluta do princípio.
Além disso, a regra da territorialidade é complementada por outras disposições fundadas em diversos dos sistemas já enunciados, ocorrendo a chamada extraterritorialidade. Fala-se, portanto, no que tange só disposto no Código Penal, de territorialidade temperada.

3. Conceito de Território:

Com relação ao conceito de território em sentido amplo, para efeito aplicação da lei penal. Em sentido estrito (material), território abrange o solo (e subsolo) sem solução de continuidade e com limites reconhecidos, as águas interiores, o mar territorial, a plataforma continental e o espaço aéreo. As águas interiores são as compreendidas em entre a costa do Estado e a linha de base territorial. O mar territorial constitui-se da faixa ao longo da costa, incluindo o leito e o subsolo respectivos (plataforma continental). Os limites do mar territorial ficou definido o limite do mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítimas de largura, medidas a parti da linha de baixa-mar do litoral continental e insular brasileiro, tal como indica nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente pelo Brasil (art. 1 caput).
Faz parte ainda do território em sentido estrito o espaço aéreo. Sobre este, três são as teorias: a teoria da absoluta liberdade do ar, segunda a qual não existe domínio por nenhum estado, podendo o espaço aéreo ser utilizado por todos os países sem restrições; a teoria da soberania até os prédios mais elevados ou o alcance das baterias antiaéreas, que delimitaria a soberania até os sinais concretos do domínio do Estado no espaço; e a teoria da soberania sobre a coluna atmosférica pelo país subjacente, delimitada por linhas imaginárias que se situam perpendicularmente aos limites do território físico, incluindo o mar territorial.
Prevalece entre nós a teoria da soberania sobre a coluna atmosférica, prevista inicialmente pelo Código Brasileiro do Ar (Decreto-lei nº. 32, de 18-11-1966), e, agora, pelo art. 11 do Código Brasileiro da Aeronáutica (Lei nº. 7.565, de 19-12-1986).
Dispõe, porém, o art. 5º, §1º, a respeito do território por extensão (ou ficção) nos seguintes termos: ''Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro, onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto mar''.
Pelo §1º do art. 5º, são também consideradas território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, mercantes ou de propriedade privada que se acham em alto-mar (partes do mar que não são águas interiores ou mar territorial estrangeiro) ou o estejam sobrevoando. Nessa hipótese, prevalece a denominada "lei da bandeira'' ou ''princípio do pavilhão'', que considera as embarcações e aeronaves com extensões do território do país em que se acham matriculadas. Não serão do território brasileiro as embarcações e aeronaves nacionais quando ingressaram no mar territorial estrangeiro ou o sobrevoarem.
Compreendo o território nacional, para os efeitos penais, todos os elementos mencionados (território, embarcações e aeronaves brasileiras de natureza publica ou a serviço do governo brasileiro, onde quer que se encontrem, embarcações e aeronaves brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, em alto-mar ou espaço aéreo correspondente), qualquer crime praticado nesses locais é alcançado, obrigatoriamente, pela lei penal brasileira, executando-se apenas as hipóteses de não-aplicação da lei registradas em convenções, tratados e regras de direito internacional.

4. Lugar do Crime:

Três são as teorias a respeito desse assunto:

I - A teoria da atividade (ou da ação), em que o lugar do crime é o local da conduta criminosa (ação ou omissão).
II - A teoria do resultado (ou do efeito), em que se considera para a aplicação da lei o local da consumação (ou resultado) do crime.
III - A teoria da ubiqüidade (ou da unidade, ou mista), pela qual se entende como lugar do crime tanto o local da conduta como o do resultado.

LEI NO TEMPO

1. Introdução
De acordo com o principio tempus regit actum, a lei rege, em geral, os fatos praticados durante sua vigência. Não pode, em tese, alcançar fatos ocorridos em período anterior ao início de sua vigência nem ser aplicada aqueles ocorridos após sua revogação. Entretanto, por disposição expressa do próprio diploma legal, é possível a ocorrência da retroatividade e da ultratividade da lei. Denomina-se retroatividade o fenômeno pelo qual uma norma jurídica é aplicada a fato ocorrido antes do início de sua vigência e ultratividade á aplicação dela após sua revogação.

2. Princípios da Lei Penal no Tempo
Pelo principio da anterioridade da lei penal (art.1), está estabelecido que não há crime ou pena sem lei anterior, o que configura a regra geral a irretroatividade da lei penal.
Havendo conflito de leis penais com o surgimento de novos preceitos jurídicos após a prática do fato delituoso, será aplicada sempre a lei mais favorável. Isso significa que a lei penal mais benigna tem extratividade (é retroativa e ultrativa) e, a contrario sensu, a lei mais severa não tem extratividade (não é retroativa ou ultrativa). Verifica-se com a solução legal das hipóteses de conflitos de leis penais no tempo.

3. Novatio legis incriminadora
A primeira hipótese trata da lei nova que torna típico fato anteriormente não incriminado (novatio legis incriminadora). Nessa hipótese, a lei penal é irretroativa.

4. Abolitio Criminis
Ocorre a chamada abolitio criminis quando a lei nova já não incrimina fato que anteriormente era considerado como ilícito penal.
Expressamente, o dispositivo alcança também os fatos definitivamente julgados, ou seja, a execução da sentença condenatória e todos os efeitos penais dessa decisão. Ocorrerá a extinção da punibilidade prevista no art. 107, III, do CP. O sentenciado será posto em liberdade se estiver cumprindo pena, voltará á condição de primário, não estará mais submetido ao sursis ou livramento condicional etc.
Pela abolitio criminis se fazem desaparecer o delito e todos seus reflexos penais, permanecendo apenas civis. Nesta parte, a sentença condenatória transitada em julgado, sem embargo da abolitio criminis, torna certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime (art. 91, inc. I, do CP). Isto porque já ficou reconhecida em juízo a ocorrência do fato e estabelecida sua autoria; o fato já não é crime, mas um ilícito civil que obriga a reparação do dano. O art. 2, caput, do CP, portanto, não tem efeitos civis ou processuais civis.

5. Novatio Legis in pejus
Refere-se á nova lei mais severa que a anterior (novatio legis in pejus). Vige, no caso, o principio da irretroatividade da lei penal previsto no art. 5, XL, da CF.
Nessa situação estão as leis posteriores em que se comina pena mais grave em qualidade ou quantidade. Acrescentam circunstanciam qualificadoras ou agravantes não previstas anteriormente; se eliminam atenuantes ou causas de extinção da punibilidade; se exigem mais requisitos para concessão de benefícios etc.

6. Novatio Legis in mellius
Lei nova mais favorável que a anterior (novatio legis in mellius). O art.2º, parágrafo único. Refere-se ao artigo citado aos dispositivos da lei nova que, ainda incriminando o fato, cominam penas menos rigorosas, em qualidade ou quantidade, ou favorecem o agente de outra forma, acrescentando circunstancia atenuante não prevista, eliminando agravante anteriormente prevista, prevendo a suspensão condicional com maior amplitude, estabelecendo novos casos de extinção da punibilidade, reduzindo os requisitos para concessão de benefícios etc. O arrependimento posterior, ou seja, a reparação do dano ou a restituição da coisa até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça á pessoa, como causa geral de diminuição da pena, com a redução de um a dois terços (art. 16).

7. Lei Intermediária
A posterior será retroativa quanto às anteriores e a antiga será ultrativa em relação àquelas que a sucederem. Se, entre as leis que se sucedem, surge uma intermediária mais benigna, embora não seja nem a do tempo do crime nem daquele em que a lei vai ser aplicada, essa lei intermediária mais benévola deve ser aplicada, ex vi, do art. 2, parágrafo único, do CP.

8. Conjugação das Leis
Tem-se entendido que somente diante do caso concreto, com a aplicação hipotética das duas leis em confronto, poderá escolher a mais benigna.
Alguns doutrinadores entendem que, na hipótese de a lei nova favorecer o agente em um aspecto, possibilitando-lhe os sursis, por exemplo, é prejudicá-lo em outro, cominando pena mais severa em quantidade, deverá ser aplicada apenas uma lei, a que, afinal, favorece o agente. A melhor solução, porém, é a de que pode haver combinação das duas leis, aplicando-se sempre os dispositivos mais benéficos. A conjugação pode ser efetuada não só com a inclusão de um dispositivo da outra lei, como também com a combinação de partes de dispositivos das leis anterior e posterior. Apesar das críticas de que não é permitido ao julgador a aplicação de uma terceira ''terceira lei'' (formada por partes de duas).

9. Competência para a aplicação da lei mais benéfica
A aplicação da lei favorável cabe ao magistrado que presidir o processo enquanto não houver proferido sentença, ou, se o feito já estiver sentenciado, ao Tribunal que julgar eventual recurso.
Hoje é praticamente pacífico que a competência para a aplicação da lei nova mais benigna é do juiz da execução, nos termos do art. 66, inciso I, da lei Execução Penal, tendo como recurso cabível o agravo em execução, sem efeito suspensivo (art. 197 da LEP).

10. Leis Temporárias e Excepcionais
Leis temporárias são as que possuem vigência previamente fixada pelo legislador e leis excepcionais as que vigem durante situações de emergência. Essas espécies de leis, segundo o dispositivo citado, têm ultratividade, ou seja, aplicam-se ao fato cometido sob seu império, mesmo depois de revogadas pelo discurso do tempo ou pela superação do estado excepcional. O que possibilita a punição é a circunstancia de ter sido a conduta praticada durante o prazo de tempo em que a conduta era exigida e a norma necessária á salvaguarda dos bens jurídicos expostos naquela ocasião especial.

11. A Retroatividade e a Lei Penal em Branco
Revogada a norma complementar não desaparecerá o crime. O que foi revogado ou alterado é a norma complementar e não a lei. Para os que entendem que a norma complementar integra a lei penal, sendo ela excepcional ou temporária possui também o caráter de ultratividade diante do art. 3 do CP.
Não terá ultratividade a lei penal em branco, porém, se a norma complementar não estiver ligada a uma circunstancia temporal ou excepcional, verificando-se que a revogação da norma complementar ou mesmo da temporária ou excepcional flagrantemente se revela em aperfeiçoamento da legislação.
Assim, pode-se concluir que há de se fazer uma distinção:
a) Se a norma penal em branco tem caráter excepcional ou temporário, aplica-se o art.3º do CP, sendo a norma complementar ultrativa;
b) Se, ao contrário, não tem ela caráter temporário ou excepcional, aplica-se o art. 2º, parágrafo único, ocorrendo a abolitio criminis.

12. Retroatividade e Lei Processual
Não segue a lei processual penal os princípios referentes á aplicação da lei penal no tempo. Há que se cogitar, no caso, de lei mais benigna ou mais severa. A parti da data de início da vigência, a lei posterior passa a regular os atos processuais, a competência etc. (salvo disposição expressa em contrário), permanecendo válidos os atos já praticados.

13. Tempo do Crime
Três são as teorias a respeito da determinação do tempo do crime. Pela teoria da atividade, considera-se como tempo do crime o momento da conduta (ação ou omissão).
Pela teoria do resultado (ou do efeito), considera-se o tempo do crime o momento de sua consumação, não se levando em conta a ocasião em que o agente praticou a ação. Por fim, a teoria mista considerada como tempo do crime tanto o momento da conduta como o do resultado. Justifica-se plenamente a adoção da teoria da atividade, que evita a incongruência de o fato ser considerado crime em decorrência da lei vigente na época do resultado quando não era o momento da ação ou omissão.
Quanto ao termo inicial o prazo de prescrição, porém, não se aplica a regra geral à atividade adotada expressamente pelo Código. Determina-se que a prescrição, antes de transitar em julgado sentença final, começa a ocorrer do dia em que o crime se consumou, nos crimes permanentes do dia que cessou a permanência, e nos de bigamia e nos de falsificação e alteração de assentamento do registro civil da data em que o fato se tornou conhecido (art.111). Na decadência, o prazo é contado do dia em quem ofendido veio, a saber, quem é o autor do crime ou, em se tratando de ação privada subsidiária, do dia em que se esgota o prazo para oferecimento da denúncia (art.103).

LEI PENAL

1. Caracteres:
A lei é a única fonte formal do Direito Penal. Devido ao valor dos bens que tutela, e ainda pela severidade das sanções que impõe, a lei penal deve ser precisa e clara. Compõe-se de duas partes o comando principal (ou preceito primário) e a sanção (ou preceito secundário). Da conjugação dessas duas partes surge a proibição (norma). Nesses dispositivos, de lei penal em sentido estrito (incriminadora), são descritas as condutas consideradas criminosas e, portanto, sujeitas a sanções penais.

Afirma-se que a lei penal apresenta as seguintes características: é imperativa, geral, impessoal e exclusiva, regulando apenas fatos futuros.
É imperativa porque a violação do preceito primário acarreta a pena. É geral por estar destinada a todos, mesmo aos inimputáveis, sujeitos à medida de segurança. É impessoal por não se referir as pessoas determinadas e exclusivas porque somente ela pode definir crimes e cominar sanções e, por fim, se aplica apenas a fatos futuros, não alcançados os pretéritos, a não ser quando aplicada em benefício do agente criminoso.

2. Classificações:
As leis penais podem ser gerais ou especiais. São gerais as que vigem em todo o território e especiais as que vigem em determinados segmentos dele. Fala-se também em leis comuns e leis especiais. As primeiras correspondem ao Direito Penal comum e as segundas ao Direito Penal especial.
Leis penais ordinárias são as que vigem em qualquer circunstância. Leis penais excepcionais são as destinadas a viger em situações de emergência. Classificação que deve ser ressaltada é a que distingue as leis penais incriminadoras (lei penal em sentido estrito) das não incriminadoras (lei penal em sentido amplo). Lei penal incriminadora é a que define os tipos penais e comina as respectivas sanções.
As leis penais não incriminadoras podem ser subdivididas em explicativas (ou complementares) e permissivas. As normas explicativas esclarecem o conteúdo de outras ou fornecem princípios gerais para a aplicação das penas. Leis permissivas são as que não consideram como ilícitos ou isentam de pena o aumento de fatos que, em tese, são típicos.

3. Norma penal em branco:
As normas penais em branco são as de conteúdo incompleto, vago, exigindo complementação por outra norma jurídica (lei, decreto, regulamento, portaria etc.) para que possam ser aplicadas ao fato concreto.
Norma penal em branco em sentido estrito é apenas aquela cujo complemento está contido em outra regra jurídica procedente de uma instância legislativa diversa, seja de categoria superior seja inferior àquela.
As leis penais em branco em sentido estrito não afetam o princípio da reserva legal, pois sempre haverá uma lei anterior, embora complementada por regra jurídica de outra espécie.
Há que se fazer também a disposição entre norma penal em branco, em que a complementação do tipo é efetuada mediante uma regra jurídica, e os tipos abertos, em que essa complementação é realizada pela jurisprudência e pela doutrina, por não conterem a determinação dos elementos do dever jurídico cuja violação significa realização do tipo, tal como ocorre nos crimes culposos e nos crimes omissivos impróprios.


4. Interpretação da lei penal:
A interpretação é indispensável, mesmo quanto às leis mais claras, ao menos para se alcançar o sentido léxico dos termos delas constantes. Pode-se conceituar a interpretação como “o processo lógico que procura estabelecer a vontade contida na norma jurídica”.

5. Espécies de interpretação:
Quanto ao sujeito que realiza a interpretação, pode ser ela autêntica, jurisprudencial (ou judicial) e doutrinária.
A interpretação autêntica é a que procede da mesma origem que a lei e tem força obrigatória. A jurisprudência pode ser conceituada como o conjunto de manifestações judiciais sobre determinado assunto legal, exaradas num sentido razoavelmente constante.
A interpretação doutrinária, quando constituída da communis opinio doctorum, ou seja, do entendimento dado aos dispositivos legais pelos escritores ou comentadores do Direito.
Relativamente ao meio empregado, a interpretação pode ser gramatical (ou literal), lógica ou teleológica. Na primeira, procura-se fixar o sentido das palavras ou expressões empregadas pelo legislador. É necessário que se busque a vontade da lei, seu conteúdo, por meio de um confronto lógico entre os seus dispositivos. O sentido teleológico da lei, com vista na apuração do valor e finalidade do dispositivo.
Quanto aos resultados obtidos com a interpretação, pode ser ela declarativa, restritiva e extensiva. A interpretação declarativa ocorre quando o texto examinado não é ampliado nem restringido, encontra-se apenas o significado oculto do termo ou expressão utilizada pela lei.
A interpretação pode ser restritiva quando se reduz o alcance da lei para que se possa encontrar sua vontade exata. A interpretação extensiva ocorre quando é necessário ampliar o sentido ou alcance da lei.
Fala-se, ainda, em interpretação progressiva para se abarcarem no processo novas concepções ditadas pelas transformações sociais, científicas, jurídicas ou morais devem permear a lei penal estabelecida.
Por fim, refere-se os doutrinadores á interpretação analógica. Quando fórmulas casuísticas inscritas em um dispositivo penal são seguidas de espécies genéricas, abertas, utiliza-se a semelhança (analogia) para uma correta interpretação destas últimas.

6. Elementos de interpretação:
Pode o intérprete utilizar-se, isolada ou conjuntamente, de vários elementos para buscar a vontade da norma; são os elementos de interpretação: sistemático, rubrica, legislação comparada, conceitos extrajurídicos e a própria história da lei. De grande valia é o elemento sistemático quando se preocupa a interpretação para harmonizar o texto interpretado com o contexto da lei, elaborada, ao menos em tese, em tese, em um sistema lógico.
A rubrica, que é a denominação jurídica do dispositivo e, no caso da lei penal, muitas vezes o nomem juris do delito, é o fator que pode levar a um esclarecimento maior sobre o texto interpretado.
A legislação comparada, ou seja, o confronto da lei pátria com a lei de outros países, pode também levar a uma melhor interpretação do texto legal, em especial quando se tomam por referencia leis que serviram de inspiração para a norma jurídica nacional.
Os elementos extrajurídicos, que são esclarecimentos técnicos, científicos, filosóficos e políticos úteis á descoberta da vontade exata da norma.
O histórico da lei, que inclui seu anteprojeto, projeto original, modificações das comissões revisoras, debates legislativos e mesmo as notícias referidas na exposição de motivos, também auxilia na interpretação.

7. Vigência e revogação da lei penal:
Em princípio, a lei é elaborada pra viger por tempo indeterminado. Encerra-se a vigência da lei com sua revogação, que pode ser expressa (quando declarada na lei revogadora) ou tácita (quando a lei posterior regulamenta a matéria disciplinada pela antiga). A revogação pode ser parcial, caso em que é denominada derrogação, ou total, quando é chamada de ab-rogação. Existe a auto-revogação quando cessa a situação de emergência na lei excepcional ou esgota o prazo da lei temporária.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Das Infrações Penais no Código de Defesa do Consumidor

O Direito, de acordo com o Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin na sua obra O Direito Penal do Consumidor (p.1), por não estar preparado para regrar as relações de produção e consumo de massa, dava ao consumidor um mero esboço de proteção contra abusos praticados no mercado. Aduz ainda o douto Ministro e mestre que:

Em decorrência da inadequação, particularmente do direito civil, ao consumidor que desejasse se proteger das condutas dos fornecedores restava, frequentemente, apenas o recurso ao direito penal tradicional, igualmente moldado para reger as relações pessoais e não relações de massa.

Não que as normas penais, per se, conferissem ao consumidor as respostas esperadas, especialmente ao nível de ressarcimento. Mas pelo menos serviam como resposta social – já que este é o valor real da sanção penal – aos comportamentos ilícitos praticados no mercado e, não poucas vezes, funcionava como instrumento de pressão para a solução do conflito no plano privado.

É de suma importância ressaltar que o direito penal, comum ou especial – antes mesmo do surgimento consumerista – já oferecia meios para a proteção do consumidor, tal como se observa no Código Penal de 1940: no âmbito das fraudes, a fraude no comércio (art. 175); quanto à tutela da “saúde pública” com os crimes, entre outros, de alteração de substância alimentícia (art. 273), emprego de processo proibido ou substância não permitida (art. 274), invólucro ou recipiente com falsa indicação (art. 275), substância avariada (art. 279)[1], medicamento em desacordo com receita médica (art. 280), bem como, a Lei nº. 1.521/51 que trata da proteção a economia popular.

Conforme ressalta o douto Ministro, estes casos não resguardavam adequadamente o direito do consumidor, em face de que o direito penal não reconhecia sequer a existência do consumidor, desta forma, não enxergava o consumidor com identidade própria, perdendo, assim, de vista a relação de consumo como objeto jurídico autônomo, supraindividual e imateral. Desta forma, limitava a atuação do direito penal a atuação à vida, patrimônio e à liberdade dos indivíduos.

Por isso, durante a produção do Código de Defesa do Consumidor nasceu a
o plano privado.esso e, er sire preocupação do legislador mediante com a criminalização de comportamentos reputados graves ora relatados na parte material, visando dessarte garantir o seu efetivo cumprimento, bem como, não prejudicar a legislação penal que possuiam efetiva consonância com a exigência social, ressaltando-se os tipos elencados no Título II – Das Infrações Penais.

Assim, além dos âmbitos administrativos e civil de defesa do consumidor, assume relevante papel nas diretrizes traçadas pelo Código Brasileiro de Defesa do Consumidor sua tutela no âmito penal até como forma de assegurar-se a efetividade das demais normas insertas no referido Código.

Vale aqui relembrar o pensamento de Othon Sidou no sentido de que seria na prática impossível preverem-se todos os fatos que prejudicam ou então venham a prejudicar os consumidores, normalmente em se tratando de fraudes contra eles cometidas e outros comportamentos lesivos. (FILOMENO apud OTHON SIDOU, 2004, p.648)

Desta forma, iremos elencar neste capítulo unicamente os crimes previstos no Código de Defesa do Consumidor, quais sejão: crimes omissivos (arts. 63 e 64); crime quanto a execução de serviços perigosos (art. 65); crimes de publicidade (arts. 66 à 69); crimes de falta de autorização (art. 70); crime de cobrança vexatória (art. 71); crime de acesso e omissão na correção de dados (arts. 72 e 73); e crime de falta de garantia (art. 74).


1 CRIMES OMISSIVOS

Na óptica do Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin na sua obra Crimes de Consumo no Código de Defesa do Consumidor (pág.2) pode-se classificar os crimes omissivos como sendo crimes relacionados a informação do consumidor, ao passo que decorrem dos riscos de acidentes de consumo que produtos e serviços podem provocar.

Apresenta-se disposto na Lei nº. 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor – como crimes omissivos ou relacionados a informação do consumidor [2]como sendo:
Art. 63. Omitir dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade:
Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa.
§ 1° Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de alertar, mediante recomendações escritas ostensivas, sobre a periculosidade do serviço a ser prestado.
§ 2° Se o crime é culposo:
Pena Detenção de um a seis meses ou multa.
Art. 64. Deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado:
Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa.
Parágrafo único. Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de retirar do mercado, imediatamente quando determinado pela autoridade competente, os produtos nocivos ou perigosos, na forma deste artigo.

Pode-se assim apreender que o legislador pátrio ao tipificar os crimes omissivos vieram salvaguardar os direitos básicos do consumidor expostos no artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor.
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (Grifo nosso).

Deve-se destacar que devido a estrutura bem-definida e harmônica do CDC, entrelaça-se tal dispositivo com o artigo 9º da Lei do Consumidor. É de salientado devido ao artigo rezar o seguinte:
Art. 9° O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto.

Neste mesmo raciocínio o douto Luc Bihl, quanto à informação como direito básico do consumidor, aduz o seguinte: “só um consumidor completamente informado pode contratar, em pleno conhecimento de causa, com os fornecedores e desempenhar o papel que deve ser seu, o de parceiro econômico” (LUC BIHL apud BENJAMIN, Crimes de Consumo no Código de Defesa do Consumidor, p.3).

É de fácil constatação tamanha relevância ao passo que nada adiantaria norma indicando preceito regulador, sem a devida penalidade. Bem como, vale relembrar o ensinamento do professor José Geraldo Brito Filomeno (2004, p.690) no comentário ao Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto que: “o comportamento delituoso é claramente definido pelo verbo omitir, e consiste no fato de alguém deixar de alertar o consumidor quanto aos riscos por ventura oferecidos”.

Isto decorre, de acordo com o que se pode extrair da obra do Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin (p.3), que em face da revolução efetuada pela tutela civil do consumidor concomitantemente com o direito penal do consumidor, propiciou-se que, em vez de punir apenas comportamentos positivos – ativos – do fornecedor, as abstenções produziram um dever afirmativo de informar.

Em face desta disposição, apresenta-se como importante esclarecimento que:
A garantia de informação plena do consumidor – tanto no seu aspecto sanitário quanto no econômico – funciona em duas vias. Primeiro, o direito do consumidor busca assegurar que certas informações negativas (a ‘má informação’, porque inexata – digo algo que não é – como na publicidade enganosa) não sejam utilizadas. Em segundo lugar, procura garantir que certas informações positivas (deixo de dizer algo que é, como, por exemplo, alertar sobre riscos do produto ou serviço) sejam efetivamente passadas ao consumidor.

O descumprimento da obrigação de não veicular informações negativas materializa-se, normalmente, através de condutas comissivas. Já a não observância da obrigação positiva de informar molda-se, comumente, em tipos omissivos. (BENJAMIN, Crimes de Consumo no Código de Defesa do Consumidor, p.4).

Desta forma, completa-se com a legislação observando a falta de informação por parte do fornecedor, incorrendo no crime ora destacado. Devendo assim, relatar que a qualquer momento do conhecimento do defeito – antes de colocar em circulação ou depois – pratica do crime relacionado à informação.


1.1. Crimes omissivos e a forma culposa

É de suma importância destacar que os crimes omissivos são formais, pois decorrem da relação entre a ação e o resultado, mas consuma-se só com a ação; e de mera conduta, pois decorre da prática do ato ora tutelado e consumando-se com a prática deste.

Conforme ressalta o parágrafo segundo do artigo 63 cabe-se conduta culposa, porém não se admite a tentativa por ser um crime formal. Assim, a culpa consiste da negligência, ao passo que o dever de alertar contra os riscos não o faz com a devida presteza, ou não procede como determina o dispositivo legal.

Pode-se então observar que, conforme José Geraldo Brito Filomeno, tal dispositivo que regulamenta sobre a forma culposa tem sua importância ao passo que, visa proteger efetivamente o consumidor com a devida advertência para o risco presente em cada produto ou serviço, ensejando assim, nas devidas precauções pelos consumidores quando aos possíveis danos à sua integridade corporal e saúde.


1.2. Omissão na comunicação às autoridades competentes

A finalidade de imputar penas detentivas e pecuniárias a todos que não comunicar às autoridades competentes, conforme o artigo 64 do Código de Defesa do Consumidor, é conduzir o fabricante à produção de um produto com uma qualidade melhor, pois com isso evita gastos com o recall[3].

Destaca-se o ensinamento de José Geraldo Brito Filomeno no Código do Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto (2004, p.692), in verbis:
(...) ao lado do dever de o fornecedor de não colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança, aqui se entendem aqueles que certamente apresentam grau de nocividade ou periculosidade além do que normalmente se esperaria (beyond expectation, no dizer da doutrina e jurisprudência anglo-americanas), mesmo porque ninguém certamente irá ignorar que muitos produtos já apresentam relativos graus de periculosidade e nocividade, mas dentro do que deles se espera (por exemplo, um medicamento com seu fator risco ou ‘efeito colateral’ das bulas, um veículo automotor etc.).

É de suma importância relembrar que o dever de informar é um princípio fundamental no Código de Defesa do Consumidor e consagra-se com o art. 6º, I e II. O ilustre professor Rizzatto Nunes, em sua obra Curso de Direito do Consumidor (2004, p.129), ainda destaca que além do dever de informar de forma clara e precisa, não se admite falhas na omissão.

Deve-se copilar a maestrina colocação que o Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin aponta em sua obra Crimes de Consumo no Código de Defesa do Consumidor (pág. 20) traz quanto a finalidade da tipificação da omissão na comunicação às autoridades competentes, in litteratim:

A conduta de ‘deixar de comunicar’ é mais formal e estrita que ‘deixar de alertar’ (art.63, §1º). A comunicação exigida aqui é muito mais que mero alerta. É atividade que o fornecedor desempenha como os olhos postos naqueles que são destinatários. Podem, conforme o caso, ser necessárias visitas pessoais, telegramas personalizados, sem prejuízos de anúncios multimídia.

A comunicação aos consumidores tem objetivo distinto daquele à autoridade competente. Lá, visa-se acautelar o consumidor, evitando, não raro, que chegue se quer a adquirir ou consumir o produto. Aqui, ao contrário, procura-se alertar o administrador para que, conhecendo os fatos, possa tomar outras medidas complementares, aplicar sanções administrativas e, se for o caso, determinar a retirada do mercado (recall), nos termos do art. 64, parágrafo único. (BENJAMIN, Crimes de Consumo no Código de Defesa do Consumidor, p.20).

Deve-se estabelecer, na mesma forma que o professor Rizzatto Nunes proclama, que os princípios da transparência e informação firmam a obrigação de o fornecedor dar a cabal informação sobre os produtos e serviços oferecidos e colocados no mercado.

Complementando o assunto; o professor José Geraldo Brito Filomeno destaca no código comentado que se pode presumir do art.10 do código supra-citado, há o dever de retirar o produto do mercado ou abster-se do oferecimento do serviço, dever esse implícito na letra do mencionado dispositivo. Assim, está devidamente disposto os §§ 1º, 2º e 3º do mencionado art.10 do CDC ao estabelecer:
§ 1° O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários.
§ 2° Os anúncios publicitários a que se refere o parágrafo anterior serão veiculados na imprensa, rádio e televisão, às expensas do fornecedor do produto ou serviço.
§ 3° Sempre que tiverem conhecimento de periculosidade de produtos ou serviços à saúde ou segurança dos consumidores, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão informá-los a respeito.

Pode-se extrair do texto legal que o legislador ao transcrever o assunto visando garantir o direito a informação relativa a produtos que venham apresentar algum problema após o seu lançamento. De tal modo que o professor José Geraldo Brito Filomeno relata:

No caso, fica evidenciado que o risco criado pelo produto deve ser minimizado: principalmente, pelo próprio responsável (aviso e recall) e, secundariamente, pelas autoridades competentes, incorrendo aquele nas penas de que trata o art.64 sob análise em caso de omissão de comunicação àquelas mesmas autoridades, ou então não retirando do mercado os produtos considerados perigosos ou nocivos, repita-se, além do que normalmente deles se espera.

Pode-se assim compendiar que o CDC exige uma dupla comunicação: aos consumidores e às autoridades. Isso porque seus objetivos são distintos, sendo imprescindíveis à proteção efetiva dos consumidores em relação aos acidentes de consumo. Logo, faltando uma das comunicações, o crime se consuma. Desta forma, na mesma óptica que José Geraldo Brito Filomeno apresenta (2004, p.694) pode-se concluir que o advento desta proteção decorre do entrelaçamento dos aspectos administrativos, civis e penais, que, ao estabelecer os direitos fundamentais do consumidor visa a sua completa efetividade.


2 CRIME QUANTO A EXECUÇÃO DE SERVIÇOS PERIGOSOS

São considerados crimes quanto a execução de serviços perigosos pelo Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
Art. 65. Executar serviço de alto grau de periculosidade, contrariando determinação de autoridade competente.
Pena: Detenção de seis meses a dois anos e multa.
Parágrafo único. As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à lesão corporal e à morte.

Ao tipificar o crime quanto à execução de serviços perigosos, o legislador veio preencher a suposta contradição que alguns doutrinadores, como Rizzatto Nunes (2004, p.140), relatam nos arts. 8º, 9º e 10, que compõem a Secção I, os quais guardam uma ligação entre si no que se diz respeito ao grau de nocividade permitido.

O douto doutrinador relata que os analisando mais detidamente, perceber-se-á uma contradição nos termos postos em tais normas e que gera certa dificuldade de solução. Aduz ainda que da leitura dos três artigos percebe-se a contradição exatamente pelo permissivo do art. 9º, posto que o CDC aceita que haja produtos e serviços que sejam potencialmente nocivos. Enquanto o art. 8º diz que não haverá nocividade (exceto a previsível[4]) e o art. 10 proíbe os produtos e serviços altamente nocivos, porém, o art. 9º permite a venda dos não tão altamente nocivos.

Ao relatar que o legislador preenche esta suposta contradição decorre dos ensinamentos que o professor José Geral Brito Filomeno, no CDC Comentado pelos Autores do Anteprojeto (2004, p.695), trás através da sucinta explanação que demonstra completamente o sentido de tal fato típico existir em nosso ordenamento, in verbis:

Aqui também o que se pune, à evidência, não é o simples fato de alguém proporcionar serviços que apresentem certo grau de periculosidade, haja vista que, realisticamente, muitos deles assim se apresentem, bastando figurar-se como exemplo a dedetização, desratização, ou mesmo o espargimento de hortas caseiras ou plantas ornamentais com defensivos agrícolas, sem falar-se de grandes extensões com plantações de vários produtos agrícolas que se destinarão ao consumo da população.
O que se pune, isto sim, e dentro das diretrizes atrás traçadas, (...), contrariando as determina e regras impostas pelas autoridades competentes. (Grifo nosso).

Conforme o mesmo doutrinador destaca-se no direito comparado anglo-americano e alemão o sentido de partir-se da premissa realista que algum risco é admissível como normal, mas desde que advertido o consumidor pelo fornecedor e a obediência deste às prescrições legais, guardadas as características próprias de cada serviço.[5]

Conforme o Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, em Crimes de Consumo no Código de Defesa do Consumidor (pág.23), deve-se ressaltar que não se trata de mera licença, embora esta já possa trazer, em si mesma, características e modo de execução para o serviço. Cuida-se de regulamentação propriamente dita, seja por decreto, seja por outro ato administrativo regulamentar.

Resta-se relatar que este crime pode ser classificado como de delito formal e de perigo abstrato, no sentido que se exige um resultado, tendo por valor ou objeto jurídico a proteção da saúde e segurança de um número indeterminado de pessoas.

Destaca-se também que é uma norma penal em branco, posto que requer complementação de “determinações de autoridades competentes”, que irão regular especificações a serem atendidas na execução de serviços já consagrados por si como perigosos.

Judicioso acrescentar a colocação de João Batista de Almeida, in text:
“A realização do tipo penal requer a prática de duas condutas conjuntas, a saber, executar serviço perigoso e contrariar determinação de autoridade competente. Trata-se de norma penal em branco, que deve ser complementada por regulamentação acerca da execução de serviços perigosos”. (ALMEIDA apud BENJAMIN, Crimes de Consumo no Código de Defesa do Consumidor, p.25).

Destarte que o delito consiste no fornecimento de serviço sem o conteúdo, formas e cautelas exigidas pela autoridade competente, seja através de atos administrativos gerais, seja mediante atos individualizados, seja, finalmente, por exigência legal.

2.1. O concurso material do parágrafo único do art.65

De acordo com o professor Guilherme de Souza Nucci, em Manual de Direito Penal (2005, p.427), pode-se conceituar como concurso de crimes como sendo: “a prática de várias infrações penais por um só agente ou por um grupo de autores atuando em conjunto”. E, de acordo com o mesmo doutrinador e na mesma obra, pode-se conceituar como concurso material, in litera:

Quando o agente, mediante uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, deve ser punido pela soma das penas privativas de liberdade em que haja incorrido, porque se adota o sistema da acumulação material. A acumulação material significa que a materialização de mais de um resultado típico implica na punição por todos eles, somando-se as penas. É que se dá no concurso material (art. 69, CP). Entretanto, o sistema que impõe a acumulação (soma) de penas também está presente em outras hipóteses, quando expressamente recomendada a sua utilização pela lei. (Grifo nosso).

Na óptica do ilustre professor José Geraldo Brito Filomeno, no CDC Comentado (2004, p.696), trata-se de uma novidade em matéria de crime de perigo comum, posto que, embora seja um crime formal ou mera conduta uma vez que decorre da atividade empresarial, incorre também na cumulação de penas e não mero agravamento da pena pelo resultado lesivo.

É de suma importância discorrer que se trata de crime preterdoloso que igualmente preside no disposto pelo art. 258 do Código Penal e que trata das formas qualificadoras dos crimes de perigo comum[6].

Em consonância com o direito penal, o parágrafo único do art. 65 do CDC expressamente prevê a soma das penas no caso de resultado de morte ou lesão corporal, àquelas cominadas para a simples omissão.

Tal atitude ocorre devido, conforme o douto José Geraldo Brito Filomeno, a conduta dolosa na ação de executar os mencionados serviços já notoriamente perigosos, circunstância esta inquestionável e já de pleno conhecimento do agente que, mesmo assim, desempenha tais serviços contrariando as normas de segurança e assumindo todos os resultados que são mais do que previsíveis.


3 CRIMES DE PUBLICIDADE

O Código de Defesa do Consumidor tipificou como crimes de publicidade:
Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:
Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.
§ 1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta.
§ 2º Se o crime é culposo;
Pena Detenção de um a seis meses ou multa.
Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva:
Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.
Parágrafo único. (Vetado).
Art. 68. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança:
Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa:
Parágrafo único. (Vetado).
Art. 69. Deixar de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade:
Pena - Detenção de um a seis meses ou multa.

Para melhor discorrer sobre o assunto ora exposto, prioriza-se inicialmente por atentar ao sentido axiológico da palavra publicidade, para que assim, possibilite uma maior compreensão da publicidade lícita, desencadeando a capacidade para discernir sobre a publicidade enganosa, a publicidade abusiva, a publicidade regida em outros regramentos e, por fim, omissão na organização de dados que dão base a publicidade.


3.1. Publicidade em geral

Para entender a extensão da palavra publicidade, pode-se citar a expressão do ilustre Chacrinha utilizava: “Quem não se comunica, se trumbica”. Esta expressão, popularmente conhecida e divulgada pelo apresentador Abelardo Barbosa, demonstra fidedignamente a finalidade da publicidade.

Numa visão científica, pode-se aduzir que a publicidade, de acordo com Rizzatto Nunes na obra supracitada (2004, p.420), é um meio de aproximação do consumidor ao produto e serviço.

É de suma importância destacar que as palavras publicidade e propaganda possuem o mesmo sentido, pois, de acordo com o dicionário Aurélio, a propaganda visa à propagação de idéias, princípios e conhecimentos, e a publicidade é uma qualidade daquilo que é público. Bem como, nosso ordenamento jurídico não faz distinção quanto ao uso das duas palavras.

Contudo, em linhas gerais, deve-se relatar que não se coaduna com a produção, elemento este que o professor Rizzatto Nunes demonstra em sua obra (2004, p.421), pois a razão da produção existir se funda em algum produto ou serviço que se pretenda mostrar e/ou vender.


3.2. Publicidade lícita

A publicidade lícita vem regulada pelo Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária – CBAP, de 5 de maio de 1980, sendo expresso no corpo de seu texto a exigibilidade que todos (anunciantes, agências de publicidade, veículos de publicação, entre outros) devam atender as normas que este estabelece.

De acordo com o art.18, a, do CBAP, pode-se relatar que o anúncio corresponde a qualquer espécie de publicidade, seja qual for o meio que a veicule. Assim, equivale a anúncio desde a embalagem, ou rótulo, como comercial apresentado em rede televisiva.

Em face desta possibilidade ampla de divulgar o produto/serviço, o mesmo dispositivo legal (art. 18, c) traz como consumidor toda pessoa que possa ser atingida pelo anúncio, seja como destinatário ou público intermediário.

Por isso, que o anúncio deve ser honesto e verdadeiro, pois, de acordo com o art. 23 do CBAP deve ser realizado de forma a não abusar da confiança do consumidor, não explorando sua falta de experiência ou conhecimento, nem se beneficiar de sua credulidade, bem como, tenha por base dados da realidade (como descrição, preço e forma de pagamento, garantia, entre outros).

Complementando este sentido, o Código de Defesa do Consumidor prevê nos arts. 30, 31 e 35 normatiza nos seguintes termos:
Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.
Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:
I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;
II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;
III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.
Desta forma, procura-se salvaguardar a informação, como forma de segurança e amplo acesso aos novos serviços e produtos que se apresentam no mercado.


3.3. A publicidade regida em outros regramentos

É de fácil constatação que a regulamentação da publicidade com o CBAP em 1980 decorre da necessidade em coordenar este elemento – a publicidade - que se liga muito intimamente com a atividade comercial.

Assim, ressalta sobre a regulamentação da publicidade José Geraldo Brito Filomeno (2004, p.697) que apesar de algumas leis esparsas já preverem a punição para a publicidade enganosa, como, por exemplo, no que diz respeito a lançamento de incorporação de imóveis (art. 65 da Lei nº. 4.591/64), loteamentos (art. 55, III, da Lei nº. 6.766/79), ou ainda as “infrações contra economia popular” (art. 3º, VII da Lei nº. 1.521/51), nosso ordenamento carecia de dispositivos claros.

Pontualmente, apresenta-se dentre várias tentativas feitas no passado no sentido de instituírem tipos penais específicos e bem definidos para que a publicidade enganosa ou abusiva, como artifício ou meio fraudulento para a obtenção de determinada vantagem ilícita, fossem repudiada como o estelionato (art. 171, caput do Código Penal) e a fraude de comércio (art. 175 do Código Penal).

Deve-se demonstrar algumas fundamentos antes do Código de Defesa do Consumidor regular e tipificar a publicidade enganosa e abusiva, bem como, ressaltar a valorosa criação da Lei nº. 8.137/90 que veio complementar as disposições do CDC nesta parte.


3.3.1. Estelionato

Dispõe o Código Penal sobre o estelionato, in legis:
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

Possui íntima relação com a publicidade enganosa/abusiva ao relacionar com os elementos objetivos do tipo, os quais, de acordo com o professor Guilherme de Souza Nucci em Manual de Direito Penal (2005, p.701), in litteratim;

Há várias formas de consentimento de estelionato, prevendo-se a genérica do caput. Obter vantagem (benefício, ganho ou lucro) indevida induzindo ou mantendo alguém em erro. Significa conseguir um benefício ou um lucro ilícito em razão do engano provocado na vítima. Esta colabora com o agente sem perceber que está se despojado de seus pertences. Induzir quer dizer incutir ou persuadir e manter significa fazer permanecer ou conservar. Portanto, a obtenção da vantagem indevida deve-se ao fato de o agente conduzir o ofendido ao engano ou quando deixa que a vítima permaneça na situação de erro na qual se envolveu sozinha. É possível, pois, que o autor do estelionato provoque a situação de engano ou apenas dela se aproveite. De qualquer modo, comete a conduta proibida. Os métodos para colocar alguém em erro são fornecidas pelo tipo penal: artifício (astúcias, esperteza, embora na forma de armadilha, cilada ou estratagema) ou outro meio de fraudulento (trata-se de interpretação analógica, ou seja, após ter mencionado duas modalidades de meios enganosos, o tipo penal faz referência a qualquer outro semelhante ao artifício e ao ardil, que possa, igualmente, ludibriar a vítima). (Grifo nosso).

Conforme o douto Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin na sua obra O Direito Penal do Consumidor a ineficácia do dispositivo decorre de dois pontos: o primeiro é que o direito penal não reconhecia a existência do consumidor; e o segundo decorre da finalidade dos dispositivos penais, que visão, basicamente, a proteção da saúde, liberdade e patrimônio sobre a forma de pressão nos conflitos privados, não ensejando o ressarcimento que muitos consumidores da época desejavam e não conseguiam.


3.3.2. Fraude no comércio

Dispõe o Código Penal sobre o crime de frade no comércio, in legis:
Art. 175 - Enganar, no exercício de atividade comercial, o adquirente ou consumidor:
I - vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada;
II - entregando uma mercadoria por outra:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

Conforme o dispositivo apresenta e sobre o ensinamento do professor Guilherme de Souza Nucci na sua obra Manual de Direito Penal (2005, p.709) observa-se que o sujeito ativo restringe-se ao comerciante, não se admitindo outra ocasião como nas relações particulares.

É de suma importância destacar que o dispositivo é o que mais se aproxima com as necessidades das relações de consumo, pois possui como sujeito passivo, de acordo com Nucci (2005, p.709), o consumidor ou a pessoa que adquire o produto.

Bem como, deve-se destacar os elementos objetivos do tipo que relaciona-se com os crimes de publicidade:
Enganar (induzir em erro, disfarçar ou esconder), no exercício de atividade comercial, o adquirente ou o consumidor, vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada (inciso I), ou entregando uma mercadoria por outra (inciso II). Trata este tipo penal de crime de estelionato próprio do comerciante. A pena é de detenção, de seis a dois anos. (Grifo nosso) (NUCCI, Manual de Direito Penal, 2005, p.710).

Como se pode observar, a fraude no comércio não conseguia efetivamente proteger os consumidores, pois restringia a compra de produtos e em face do objeto material, de acordo Nucci (2005, p.710), mercadoria falsificada, deteriorada ou substituída.

Em face a disposição do CDC e da Lei nº. 8.137/90 existe alguns doutrinadores que entendem como revogado o dispositivo penal, na visão de Guilherme de Souza Nucci, in litteratim: “Embora parte da doutrina entenda que o art. 175, I, foi revogado pelo art. 7º, III, da Lei nº. 8.137/90 (Crimes contra as relações de consumo), cremos que ele continua em vigor”. (NUCCI, Manual de Direito Penal, 2005, p.710).

3.3.3. Lei de Crime contra a Economia Popular – Lei nº. 1.521/51

Ressalta José Geraldo Brito Filomeno no Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto (2004, p.698) a importância que possui para a época a criação desta lei para a proteção da população contra alguns atos contra o consumo.

É de suma importância destacar o art.2º, IX desta lei, porque estabelece dentro do ordenamento os primeiros critérios de proteção do consumidor[7], in legis:
Art. 2º. São crimes desta natureza:
IX - obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos ("bola de neve", "cadeias", "pichardismo" e quaisquer outros equivalentes);
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, de dois mil a cinqüenta mil cruzeiros.

No âmbito da publicidade, José Geraldo Brito Filomeno (2004, p.699) relata que esta lei deve ser mencionada, posto que foi com a inserção do inciso VII do artigo 3º que propiciou alguns termos de moldes a transformar-se em um dispositivo mais aberto e abrangente, e não apenas relativo a valores e ações, in lex:
Art. 3º. São também crimes desta natureza:
VII - dar indicações ou fazer afirmações falsas [ou enganosa] em prospectos ou anúncios, para fim de substituição, compra ou venda de títulos, ações ou quotas;
Pena - detenção, de 2 (dois) anos a 10 (dez) anos, e multa, de vinte mil a cem mil cruzeiros.

Conforme este professor, este dispositivo foi, sem dúvida, uma enganosa e oportuna tentativa, mas que não chegou a ser levada adiante.

3.3.4. Lei de Crimes contra a Ordem Tributária, Econômica e contra as Relações de Consumo – Lei nº. 8.137/90

Após o período em que o ordenamento não possuía uma regulamentação completa, ou seja, antes da criação do Código de Defesa do Consumidor, a fase de carência absoluta de criminalização de oferta e publicidade enganosa e abusiva, passou-se à abundância de normas.

Quanto a publicidade, destaca-se o inciso VII do art. 7º, desta lei, in legis:
Art. 7° Constitui crime contra as relações de consumo:
VII - induzir o consumidor ou usuário a erro, por via de indicação ou afirmação falsa ou enganosa sobre a natureza, qualidade do bem ou serviço, utilizando-se de qualquer meio, inclusive a veiculação ou divulgação publicitária;

Destaca-se a observação que o professor José Geraldo Brito Filomeno (2004, p.705) aduz que o referido tipo também não se confunde com os previstos pelo Código do Consumidor, notadamente os arts. 66 a 68, uma vez que estes independem de qualquer resultado lesivo, ou mesmo do induzimento do consumidor em erro, bastando a veiculação da publicidade ou oferta enganosa ou abusiva.

Outro apontamento que se deve ressaltar, de acordo com o professor Filomeno (2004, p.705), é que esta nova lei – a Lei nº. 8.137/90 – transformou em meio caminho entre a simples consideração de infração penal formal ou de mera conduta – critério adotado pelo CDC – e as figuras do estelionato e suas formas, ou mesmo falsidade ideológica, nas quais se exige um efetivo resultado danoso à vitima.

É de suma importância relatar que o verbo induzir quer dizer capaz de levar o consumidor a comportar-se de maneira errônea ou lesiva, em decorrência de indicação ou afirmação falsa ou enganosa sobre a natureza, qualidade do bem ou serviço, utilizando-se (o agente) de qualquer meio, inclusive a veiculação ou divulgação publicitária (FILOMENO, 2004, P.706).

Pondera-se acrescentar que esta norma visa resgatar a idéia do art. 184 do CP, ou seja, relacionando a publicidade enganosa como forma de “concorrência desleal”, sendo este como uma forma de induzimento em erro (FILOMENO, 2004, P.706).

Desta forma, certeiramente pode-se afirmar que o dispositivo – art. 7º, VII da Lei nº. 8.137/90 – está para o delito de estelionato, assim como os do Código do Consumidor estão para a figura de crime contra a economia popular tratada pelo inciso IX do art. 2º da Lei nº. 1.521/51, visto que a mera tentativa de obterem-se ganhos ilícitos em detrimento do povo ou número indeterminado de pessoas já configura a infração, independentemente de sua efetiva obtenção (FILOMENO, 2004, P.706).


3.4. Publicidade enganosa


O ordenamento jurídico pátrio, tal qual como inúmeros países, adotou pela criminalização da publicidade/propaganda/oferta enganosa e abusiva, ao passo que, sendo considerado pelo professor José Geraldo Brito Filomeno, decorrente de um dos mais danosos e reprováveis delitos contra as relações de consumo.

Mesmo em face da ponderação trazida pelo douto José Geraldo Brito Filomeno no CDC Comentado (2004, p.698) do professor Paulo José da Costa Júnior, que o legislador não possui capacidade de prever todas as hipóteses que irão apresentar-se no futuro, obrigando a lançar hipóteses mais flexíveis, para assim abarcar todas as hipóteses, encontra-se disposto nos art. 37, §§ 1º e 3º do CDC, sobre a publicidade enganosa:
Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

Do texto legal, pode-se concluir que o efeito da publicidade enganosa é induzir o consumidor a acreditar em alguma coisa que não corresponde à realidade do produto ou serviço. Destaca-se ainda que, a publicidade enganosa pode ser usada como efeito chamariz, o qual Rizzatto Nunes relata como sendo umaelata como sendo duto ou serviço. Destaca-se ainda que, a publicidade enganosa pode ser usada como efeito chamariz, o qual maneira enganosa de atrair o consumidor, para que este, uma vez estando no estabelecimento acabe comprando algo.

É de suma importância destacar que para aferição da enganosidade não é necessário que o consumidor seja aquele real, pois, conforme disciplina a CBAP o consumidor é todo aquele que tem potencial em ser atingido. Assim, o anúncio enganoso é antes mesmo de atingir qualquer consumidor em concreto; bastando ter sido veiculado.

Complementando esta posição, José Geraldo Brito Filomeno (2004, p.711), ressalta que mesmo por se tratar de delito que se materialize pela mensagem publicitária ou oferta, como sendo um delito instantâneo e de perigo, este manifesta sua potencialidade de dano à saúde, vida, segurança, e economia de um sem-número de receptores-alvos das mensagens veiculadas pelos mais variados meios de comunicação.

Quanto a publicidade enganosa por omissão, deve-se ressaltar que o texto legal traz como prospecto finalístico a essencialidade da informação no anuncio. O professor Rizzatto Nunes relata esta posição de maneira sapientíssima, in verbis:

Em suma, tudo aquilo que, apesar de ser essencial, já faz parte do conhecimento regular do consumidor não tem necessidade de ser mencionado. A contrario sensu, sempre que o dado for essencial, mas por algum motivo não for conhecido do consumidor, por ser novo ou por divergir do que este pensa como uso normal, deve ser informado. E, também, é essencial o elemento cuja omissão acaba por influenciar a decisão do consumidor para adquirir o produto ou o serviço.

E mais: tem de ser considerado dado essencial tudo aquilo que a lei determinar que o anúncio publicitário deve conter.

Como se pode observar, na posição do douto professor a falta das informações que o CBAP – honesto e verdadeiro – geram por si a publicidade enganosa.

José Geraldo Brito Filomeno (2004, p.712) aduz quanto ao efetivo prejuízo, in litteratim:
No caso de ter havido efetivo prejuízo em decorrência de publicidade falsa ou enganosa, entendemos haver concurso de material de delitos, no caso como o estelionato, exatamente porque o que se visa é à coibição primordial da fraude publicitária, que coloca em risco a harmonia das relações de consumo, filosofia que, aliás, preside todos os dispositivos do mencionado Código.

E, com efeito, em acórdão do Supremo Tribunal Federal, em sede do Recurso Extraordinário nº. 41.199-DF, 2ª Turma, tendo como relator o ministro Luiz Gallotti, entendeu-se que um delito só é absorvido por outro no caso da subsidiariedade implícita, quando um tipo menos grave funciona como elementar ou qualificador de outro.

Como no caso então julgado – delito de falsidade conjugado à obtenção de vantagem ilícita – isso não ocorreria e o agente foi condenado tanto pelo primeiro como por estelionato, em concurso material, sendo essa igualmente a opinião do saudoso Heleno Cláudio Fragoso.

Deve-se ressaltar que se admite, na visão do professor José Geral Brito Filomeno (2004, p. 713), a tentativa, mas tão-somente quando a afirmação for falsa ou enganosa ou então a oferta, e não no caso de omissão, for produzida e não veiculada por circunstâncias alheias à vontade do responsável.

Em relação ao sujeito ativo, Rizzatto Nunes (2004, p.478), indica a responsabilidade solidária entre todos aqueles que participam da produção do anúncio e de sua veiculação, em face a expressa previsão do CDC: “ Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo” (Parágrafo único do ar.7º).

Numa posição diferente, José Geraldo Brito Filomeno (2004, p.714), destaca que o anunciante/fornecedor – que conhece perfeitamente as condições do produto fabricado ou do serviço executado é sujeito ativo. Relata-se a existência de uma falsa posição divergente, pois gera inicialmente que para este doutrinador o não conhecimento de que a publicidade é enganosa excluiria o anunciante.

Mas, Rizzato Nunes (2004, p.479), indiretamente afirma esta posição, mesmo destacando em linhas iniciais que o fornecedor-anunciante é sempre responsável pelos danos que seu anúncio causar, sendo que, no seu caos particular, ainda responde por inserção de cláusula contratual ou sua nulificação em função do anúncio. Assim, a agência responde solidariamente com o anunciante, independentemente do tipo de contrato que com ele tenha estabelecido. Contudo, a falsa divergência exclui-se quando este doutrinador relata as seguintes exceções que geram a desresponsabilização da agência:
a) Não está objetivamente colocada no anúncio em si; e
b) Depende da ação real, concreta e posterior do fornecedor-anunciante, de maneira que a agência tenha participado como mera produtora de uma informação encomendada.

É de suma importância relatar que, de acordo com Rizzatto Nunes (2004, p.480), o veículo possui responsabilidade solidária com o anunciante e a agência. Bem como, este detém a capacidade de negar a inserir em seu meio anúncio que entenda ser enganoso.

Possui também força para impedir e de supressão da publicidade enganosa tanto o órgão administrativo, o CONAR, como o Poder Judiciário, uma vez acionado – individual ou coletivamente – poderá determinar a supressão tanto do anúncio veiculado, como da campanha.

3.5. Publicidade abusiva

O Código de Defesa do Consumidor trata da publicidade abusiva no art. 37, §2º, in legis:
Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

José Geraldo Brito Filomeno aduz em sua obra de forma maestrina sobre a importância da criminalização da publicidade abusiva pelo Código de Defesa do Consumidor, in litteratim:
No campo penal, além dos tipos já analisados nos itens anteriores, ver-se-á que, no que diz respeito aos abusos da publicidade, procurou-se não apenas assegurarem-se as normas de Direito Material que definem a publicidade/oferta enganosa ou então abusiva, como também incorporarem-se ao ordenamento jurídico, em definitivo, normas penais efetivas frustradas nesse sentido, e que tinham ora uma objetividade jurídica diversa (por exemplo, a concorrência livre e leal e não direitos e interesses do consumidor), ora uma maneira indireta de inserir tais normas, como se verá no passo seguinte. (FILOMENO, Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, 2004, p.698).

Esta preocupação decorre, na visão de Rizzatto Nunes (2004, p.487), em face que a publicidade abusiva não tem necessariamente relação direta com o produto ou serviço oferecido, mas sim com os efeitos da propaganda que possam causar algum mal ou constrangimento ao consumidor.

Pode-se assim concluir que, num mesmo anúncio pode conter além da publicidade enganosa a abusiva, posto que o produto/serviço precisa unicamente não corresponder com o que é verdadeiro e que preencha o conteúdo proibido por abusividade.

Dispõe sobre o conteúdo abusivo na obra de José Geraldo Brito Filomeno que:
Do decreto [Decreto nº. 57.690, de 1º de fevereiro de 1966] – Art. 17. ‘A Agência de Propaganda, o Veículo de Divulgação e o Publicitário em geral, sem prejuízo de outros deveres e proibições previstos neste Regulamento, ficam sujeitos, no que couber, aos seguintes preceitos, genericamente ditados pelo Código de Ética dos Profissionais da Propaganda a que se refere o art. 17, da Lei nº. 4.680, de 18 de julho de 1965’.
Observe-se, nesse sentido, que os incs. I e II falam, em última análise, de publicidade abusiva (I) e publicidade enganosa (II), dispondo que: ‘I – Não é permitido – a) publicar textos ou ilustrações que atentem contra a ordem pública, a moral e os bons costumes; b) divulgar informações confidenciais relativas a negócios ou planos de Clientes-Anunciantes; c) reproduzir temas publicitários, axiomas, marcas, músicas, ilustrações, proprietários ou autores; d) difamar concorrentes e depreciar seus méritos técnicos; e) atribuir defeitos ou falhas a mercadorias, produtos ou serviços concorrentes; f) contratar propaganda em condições antieconômicas ou que importem em concorrência desleal; g) utilizar pressão econômica, com o ânimo de influenciar os Veículos de Divulgação a alterarem tratamento, decisões e condições especiais para a propaganda. (FILOMENO, Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, 2004, p.715).

Por isso, na visão de Rizzatto Nunes (2004, p.487), a publicidade comercial não pode de maneira alguma agir de forma discriminatória. Visto que, para caracterizar a natureza abusiva do anúncio não é necessário que ocorra de fato um dano real, bastando unicamente um perigo, já que a abusividade deve ser analisada de acordo com a potencialidade do anúncio em causar um mal.

Pode-se aferir tal entendimento em face do art. 17 do CBAP, in legis:
Artigo 17 - Ao aferir a conformidade de uma campanha ou anúncio aos termos deste Código, o teste primordial deve ser o impacto provável do anúncio, como um todo, sobre aqueles que irão vê-lo ou ouvi-lo. A partir dessa análise global é que se examinará detalhadamente cada parte do conteúdo visual, verbal ou oral do anúncio, bem como a natureza do meio utilizado para sua veiculação.

Destaca-se o entendimento do douto professor Rizzatto Nunes, in litteratim:
(...) não importa se a abusividade advém de parte do anúncio ou de sua projeção global sobre o público. Não interessa também saber se o teor potencial do dano a ser causado está só no aspecto visual ou apenas no oral ou no escrito. O que vale é o resultado do impacto sobre o consumidor (aliás, o resultado potencial; nem precisa ser real).

Se por qualquer dos aspectos considerados isoladamente (visual, oral, verbal etc.) ou se pelo contexto global insinuar-se a abusividade, o anúncio já estará caracterizado como abusivo. (NUNES, Curso de Direito do Consumidor, 2004, p.493).

Quanto ao sujeito ativo da publicidade abusiva ocorre da mesma forma que a publicidade enganosa, ou seja, existe a solidariedade tanto do anunciante com a agência e com o veículo de comunicação. Bem como, o meio de supressão e impedimento da publicidade pelo CONAR e Poder Judiciário se repete.

É de suma importância relatar que o CDC ainda dispôs um meio menos gravoso, que é a contrapropaganda, para que os anunciantes da publicidade enganosa ou abusiva por meio desta viessem se retratar e reduzir o dano provocado à sociedade, em contraposição ao desabafo que o professor José Geraldo Brito Filomeno apresenta quanto a efetiva punição nos casos ora analisados, in verbis:
Logo, conclui, o princípio de intervenção mínima não pode ser alegado contra essa nova incriminação; prova disso é que jurisprudência do Supremo Tribunal em mil raras ocasiões tem apenado um determinado estelionato segundo o vigente Código Penal cometido mediante uma publicidade, mencionando como ‘avis rara’ a sentença de 19 de junho de 1991, em que se consideraram por estelionato agentes que realizaram uma campanha de propaganda para atrair subscritores de participação em uma sociedade, com falsa promessa de oferecer vantagens na verdade inexistentes. (FILOMENO, Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, 2004, p.708).

Conforme Rizzatto Nunes aduz em sua obra (2004, p.499), deve-se concordar com a visão do professor José Geraldo, pois a publicidade abusiva causa dano aos consumidores mesmo depois de cessada sua veiculação, uma vez que passa a fazer parte da memória das pessoas.

3.6. A omissão na organização de dados que dão base à publicidade

O dispositivo art. 68 e 69 visa transformar em efetivo as obrigações estabelecidas pela parte material do Código do Consumidor.

Complementa-se esta idéia, de acordo com o professor José Geraldo Brito Filomeno (2004, p.730), o que se apresenta com o art. 36, parágrafo único do CDC, in lex: “ "stado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir ao erro o juiz ou perito" (2005, p.10008Art. 36 - A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal”".

Pondera-se tal dispositivo posto que caso o consumidor precise ajuizar qualquer ação o Poder Judiciário terá meios hábeis de aquilatar sobre a tendenciosidade ou não de determinada publicidade, ou os órgãos administrativos incumbidos de seu controle. (FILOMENO, 2004, p.730).

Ressalta ainda o douto professor Filomeno (2004, p.731) que o dispositivo do art. 38 do CDC [8] é meio complementar a este fato, comprovando assim, que o sujeito ativo deste crime é o fornecedor/anunciante, posto que este é o ser que possui a obrigação de organizar e manter a guarda de tais dados fáticos.

É de suma importância aduzir que se classifica como um delito omissivo por excelência, haja visto o núcleo do dispositivo, conforme José Geraldo Brito Filomeno (2004, p.731), bem como, seu elemento subjetivo é o dolo e quanto ao concurso com outros crimes, é possível na visão do mesmo doutrinador com o delito do art. 347 do CP [9].

4 CRIMES DE FALTA DE AUTORIZAÇÃO

Encontra-se disposto no art.70 do CDC sobre o crime falta de autorização, in lex: “Art. 70. Empregar na reparação de produtos, peça ou componentes de reposição usados, sem autorização do consumidor. Pena: Detenção de três meses a um ano e multa.”.

Pode-se, de acordo com o Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin (p.27), observar que para o CDC, a regra é que, em todos os consertos de produtos só podem ser empregadas peças novas. Sendo assim, a exceção o uso de peças usadas e, por isso mesmo, precisa de autorização expressa do consumidor.

Desta forma, conforme o professor José Gerado Brito Filomeno (2004, p.733), este dispositivo legal advém da parte material/administrativa do Código de Consumo, o art. 21[10], ensejando assim, através de sanções administrativas e penais, o efetivo cumprimento.
É de suma importância transcrever os ensinamentos do Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin (p.27), ao tratar sobre esta prática ilícita em face do dever de consertar decorrente da responsabilidade por vício do produto ou serviço, in litteratim:

É prática comum no mercado brasileiro de reparo de bens de consumo, mesmo em assistência técnicas ditas ‘autorizadas’, a utilização de peças e componentes usados e recondicionados. Até ai não há nada de mais. Os problemas decorrem do fato de que os consumidores acabam pagando pelas peças e componentes como se fossem novos fossem. Ou, então, são informados a posteriori, valendo, aí, a tática do fato consumado. ‘Trata-se da indústria permanente dos consertos, em que peças ou componentes são trocados por outros, também usados, não raro em estado de conservação pior que aqueles substituídos. Oficinas idôneas de reparos de automóveis e de eletrodomésticos praticam o delito, com habitualidade.

É de suma ressaltar que:
Além disso, o que se tem em mira não é propriamente o fato de utilizar-se o prestador de serviços de reparação de determinado bem de peças ou componentes usados ou também comumente chamados de ‘recondicionados’.

O que se visa punir, isto sim, é a troca de peças usadas por outras também usadas, sem o consentimento do consumidor, com evidente prejuízo para ele e ganho para o reparador. (FILOMENO, Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, 2004, p.734).

Por isso, possui como objetividade jurídica, de acordo com o Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin (p.28), proteção à relação econômica, ensejando assim, na proteção à informação plena do consumidor sobre as condições em que se dá o fornecimento do serviço.

Devendo assim destacar a colocação do professor José Geraldo Brito Filomeno:
O que não se pode admitir, contudo, é que o consumidor venha a ser enganado pagando por peças novas quando na realidade não o são, preservando-se aqui a lisura que deve presidir as relações de consumo e o patrimônio do consumidor.

O núcleo do tipo em pauta, pois, é definido pelo verbo ‘empregar’ peças ou componentes usados, complementando-se sua normatividade pela expressão ‘sem autorização do consumidor’, já que poderá autorizar seu emprego, mas de forma expressa. (FILOMENO, 2004, p.735).

Em face desta posição o Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin (p. 30) assevera que o crime é formal, de perigo de abstraio, posto que:

Não há necessidade, para a consumação, de dano efetivo para o consumidor. A peça usada pode, inclusive, ser melhor que a nova (hipótese de remota caracterização) e, ainda assim, presente estará a violação do dispositivo. Basta o inconformismo do consumidor com o seu emprego à sua revelia. Sequer se exige que o fornecedor, após empregar peça usada, cobre se nova fosse.

(...) Não se exige, portanto, nem dano concreto ao consumidor, nem efetiva fraude. Basta a vontade consciente de empregar peças usadas sem consulta do consumidor. Se o legislador desejasse ver presente o requisito da fraude, de resto importante no estelionato, assim teria dito (‘mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento’).

Destarte, pondera o professor Filomeno (2004, p.736), admite-se a tentativa, pois, pode-se eventualmente perceber a tempo a troca de peças ditas novas, mas que em realidade são usadas ou no máximo recondicionadas.

Por isso, temos como sujeito ativo qualquer prestador de serviços, como sujeito passivo qualquer consumidor e como elemento subjetivo o dolo.

5 CRIME DE COBRANÇA VEXATÓRIA

O direito de propriedade é uma garantia constitucional (art.5º, XII), que permite a legislação infraconstitucional, garanta o direito do credor em cobrar seu crédito. Desta forma, na parte dispositiva do Código de Defesa do Consumidor apresenta-se o art.42, o que reza o seguinte:
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

O legislador pátrio ao codificar tal ato advém para que seja evitado o exemplo ora apresentado pelo professor José Geraldo Brito Filmoneno, in litteratim:
A experiência também nos demonstrou que, além de práticas pouco recomendáveis, como a que vigorou durante um certo tempo na capital de São Paulo com famosos ‘vermelhinhos’ ou ‘cenourinhas’ que infernizavam a vida dos inadimplentes nos pagamentos de alguns carnês, fazendo um verdadeiro carnaval à porta de suas casas, inclusive com auto-falantes e até bandas de música . (FILOMENO, Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, 2004, p.737).

Desta forma, conforme Rizzatto Nunes (2004, p.537), a cobrança de uma dívida é ação regular do credor em relação ao devedor. O CDC não impede que assim ocorra, mas sim a chamada cobrança abusiva.

A cobrança abusiva vem disposta no art. 71 da Lei nº. 8.078/90, in legis:
Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer.
Pena Detenção de três meses a um ano e multa.

Destarte, de acordo com o Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin (p.31), a cobrança de dívidas do no âmbito do consumo deve respeitar as exigências do art. 42 (civil) e art. 71 (penal), a qual gerará ao fornecedor que cobrar dívidas em desconformidade com estes parâmetros responsabilização civil, administrativa e penal.

Deve-se, então, apreender do dispositivo do art. 71 do CDC, de acordo com Rizzatto Nunes (2004, p.540), sobre o tipo do objeto que:
a) A única ameaça que o fornecedor-credor poderá fazer é a de processar ou de negativar o devedor[11];
b) A coação é em si o exercício de uma ação (coação) irregular contra a vontade do consumidor inadimplente, sendo expressamente vedado pelo dispositivo qualquer tipo;
c) O constrangimento físico ou moral é vedado, bem como, todas as práticas que expõem o consumidor inadimplente a riscos a sua saúde e integridade física, ou de seus familiares, e/ou lhes causem dor no aspecto moral;
d) Mesmo que aparentemente sejam tomadas por sinônimas as expressões “afirmação falsa”, “incorreta” e “enganosa”, o que o legislador pátrio pretendia é impedir que por qualquer artifício o consumidor seja iludido quanto aos elementos apresentados na ação de cobrança e na prática de cobrança em si;
e) A ação que importe em expor o consumidor inadimplente sem qualquer conexão com o ato de cobrar torna a cobrança abusiva;
f) O dispositivo legal ao destacar que é vedada a interferência com o trabalho, descanso ou lazer, visa salvaguardar que se deixem avisos de cobrança com colegas ou superiores de seu inadimplemento.

Pondera-se acrescentar que objeto jurídico do crime ora realçado é a liberdade, honra, bem como a incolumidade física do consumidor. Deveras afirmar que em se tratando dos elementos subjetivos do crime ocorre dolo específico, posto que visa à cobrança de dívidas contraídas em decorrência da relação de consumo.(FILOMENO, 2004,p.738)

Complementa o douto Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin (p.33), que o sujeito ativo é aquele que efetiva a cobrança, mesmo este sendo ou não o fornecedor primitivo do produto ou serviço. E o sujeito passivo, de acordo com José Geraldo Brito Filomeno (2004, p.739), é qualquer consumidor que se veja nas contingências do tipo do objeto.


6 CRIME DE ACESSO E OMISSÃO NA CORREÇÃO DE DADOS

O direito a liberdade de informação é guardado como clausula pétrea no art.5º, XIV e XXXIII, in legis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;

Este dispositivo legal dentro do âmbito do Direito do Consumidor foi tutelado no art. 43 do CDC, in verbis:
Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.
§ 1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos.
§ 2° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.
§ 3° O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas.
§ 4° Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público.
§ 5° Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores.

Visando efetivar os dispositivos ora mencionados, surgem os crimes de acesso e omissão na correção de dados, in lex:
Art. 72. Impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros:
Pena: Detenção de seis meses a um ano ou multa.
Art. 73. Deixar de corrigir imediatamente informação sobre consumidor constante de cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber ser inexata:
Pena: Detenção de um a seis meses ou multa.

Ressalta do Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin na sua obra Crimes de Consumo no Código de Defesa do Consumidor (p.36) que:
Os arquivos de consumo são uma novidade da sociedade de massa, baseada no anonimato do consumidor e na utilização massiva de crédito. Mas se os arquivos de consumo por um lado facilitaram enormemente o crédito ao consumidor, por outro trouxeram uma invasão de sua privacidade e, com ela, inúmeros abusos. (...) O art. 72 é, sem dúvida, a contraface penal do art. 43, caput, e de seu parágrafo primeiro. Ambos asseguram o "direito de acesso" do consumidor aos arquivos de consumo.

Complementando tal assertiva o douto José Geraldo Brito Filomeno aduz que:
Não é justo que o nome do outrora mau consumidor-pagador fique constando dos cadastros do SPC sem negativação e, o que é pior, não possa saber o que realmente dali conste contra si para a devida correção mediante a providência administrativa ou judicial competente.
Daí por que tipo de que ora se cuida do art. 72 do Código do Consumidor utiliza os verbos ‘impedir ‘ ou ‘dificultar’ o acesso do consumidor àquelas informações dos SPCs ou outros bancos de dados com a mesma finalidade de resguardar os fornecedores quanto a prejuízos futuros ou ‘calotes’ dos maus pagadores. (FILOMENO, Código de Defesa do Consumidor Comentado pelo Autores do Anteprojeto, 2004, p.747).

Da mesma forma que o acesso é protegido pelo art. 72, tem-se no art. 73 a defesa quanto a omissão na correção de dados incorretos, pois, de acordo com o Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin na sua obra Crimes de Consumo no Código de Defesa do Consumidor (p.39), o direito de acesso aos arquivos de consumo é instrumental. Ou seja, não é um fim em si mesmo. Seu objetivo é permitir que o consumidor, uma vez que tenha conhecimento das informações que sobre ele estão arquivadas, possa providenciar sua retificação.

Destarte, José Geraldo Brito Filomeno (2004, p.748) aduz que o núcleo do tipo em questão é expresso pelo verbo deixar (comportamento omissivo) de corrigir dados inexatos a respeito de qualquer consumidor em bancos de dados, tratando-se, por conseguinte, de delito formal e de natureza instantânea com efeito permanente, ou seja, sua consumação se protrai no tempo até que cesse a permanência nos registros, arquivos, fitas gravadas ou qualquer outro meio de armazenamento de informações.

Deveras importante destacar que o dispositivo ora analisado, mais especificamente o art. 43, §4º, vem complementar ao remédio constitucional habeas data previsto no art. 5º, LXXII. (FILOMENO, 2004, p.749).

Pondera-se afirmar a classificação que este dois crimes possuem, realçando, de acordo com o Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin (p.36), que a objetividade jurídica ampara-se, primordialmente, a relação de consumo econômica, na medida em que informações incorretas ou proibidas podem dificultar o crédito do consumidor.

Relata ainda o douto Ministro (p.37) que o sujeito ativo é todo aquele que impede ou dificulta o acesso do consumidor às informações arquivadas. Já o sujeito passivo, como sucede em todos os crimes de consumo, é sempre a coletividade de consumidores e também, neste caso, o consumidor individual vítima da perturbação.

7 CRIME DE FALTA DE GARANTIA

O legislador pátrio ao produzir o Código de Defesa do Consumidor observou um grande problema que existia na época que era com a baixa qualidade dos produtos devido a produção em massa e a falta de uma devida garantia aos consumidores que estes produtos não iriam quebrar num prazo sem proporcionar uma utilização suficiente.

Nesta mesma posição o douto José Geraldo Brito Filomeno relata que:
O termo de garantia, geralmente conferido pelos fabricantes de produtos ou bens de consumo duráveis, tem dupla finalidade: 1º) zelar pelo bom nome da própria empresa-fornecedora; 2º) reparar eventuais defeitos, sabendo-se que na produção em massa alguns exemplares fabricados fatalmente apresentarão algum defeito, dentro de um certo tempo de uso ainda inicial, por maior que seja o controle de qualidade de que disponha.

Do mesmo modo que ocorre com a maioria dos crimes previstos no CDC, observa o professor José Geraldo Brito Filomeno (2004, p.751), que a razão da tipificação do crime de omissão na entrega de termos de garantia decorre do art. 50 e seu parágrafo único, in lex:
Art. 50. A garantia contratual é complementar à legal e será conferida mediante termo escrito.
Parágrafo único. O termo de garantia ou equivalente deve ser padronizado e esclarecer, de maneira adequada em que consiste a mesma garantia, bem como a forma, o prazo e o lugar em que pode ser exercitada e os ônus a cargo do consumidor, devendo ser-lhe entregue, devidamente preenchido pelo fornecedor, no ato do fornecimento, acompanhado de manual de instrução, de instalação e uso do produto em linguagem didática, com ilustrações.

Manuel Pedro Pimentel apud Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin na sua obra Crimes de Consumo no Código de Defesa do Consumidor (p.41) aduz que:
A obrigação de fornecer ao consumidor o termo de garantia adequadamente preenchido e com especificação clara do seu conteúdo, transformando tal obrigação em dever legal, capaz de tipificar sua falta como crime omissivo, é providência altamente elogiável.

Desta forma, o dispositivo legal criminaliza na seguinte forma: “Art. 74. Deixar de entregar ao consumidor o termo de garantia adequadamente preenchido e com especificação clara de seu conteúdo. Pena: Detenção de um a seis meses ou multa.”.

Assevera o Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin na sua obra Crimes de Consumo no Código de Defesa do Consumidor (p.41) que o art. 74, evidentemente, não se aplica à garantia legal, já que esta independe de termo expresso (art. 24). O crime pressupõe a existência de garantia contratual. Inexistindo esta, descabível (ou não exigível) o termo de garantia, sendo, pois, impossível a realização do delito. O CDC não impõe um dever de oferta de garantia contratual; mas se esta for prestada, deverá ser idônea e entregue no ato do fornecimento, sob pena de configurar-se conduta criminosa.

Por isso, José Geraldo Brito Filomeno (2004, p.752) proclama que a razão de tal dispositivo decorre de que o termo de garantia visa evitar dissabores futuros ao consumidor, e já que o próprio fornecedor, mediante declaração unilateral de vontade, se compromete a reparar ou mesmo trocar o bem que apresente certo defeito de fabricação ou vício oculto, podendo mesmo, no primeiro caso retrorreferido, constituir-se em sério risco à incolumidade física daquele mesmo consumidor, nada mais natural que proceda corretamente às instruções que devem ser pro aquele seguida.

Deve-se ainda relatar que o tipo possui como objetividade jurídica visa assegurar que o consumidor receberá informações adequadas sobre o conteúdo da garantia, o sujeito ativo é aquele que deixou de entregar ao consumidor o termo de garantia adequadamente e sujeito passivo a coletividade. (BENJAMIN, p.42)

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[1] Deve-se ressaltar que este artigo foi revogado pela Lei nº. 8.137/90, que trata sobre a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo.
[2] É de suma importância ressaltar um importante apontamento que o Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin fez em sua obra Crimes de Consumo no Código de Defesa do Consumidor (pág.2) que quase todos os tipos penais do CDC estão relacionados com o tema da informação do consumidor, desde os delitos de oferta não publicitária enganosa (art. 66), de oferta publicitária enganosa (art. 67), da oferta publicitária abusiva (arts. 67 e 68), de cobrança irregular de dívidas (art. 71), de perturbação do acesso do consumidor aos arquivos de consumo (art. 72), até o de não entrega do termo de garantia adequadamente preenchido (art. 74).
[3] Rizzatto Nunes, em sua obra Curso de Direito do Consumidor (2004, p.150), destaca o recall como um meio, pelo qual a norma protecionista pretende que o fornecedor impeça ou procure impedir, ainda que tardiamente, que o consumidor sofra algum dano ou perda em função de vício que o produto ou o serviço tenham apresentado após sua comercialização. É de suma importância aduzir que o art. 10, §2º, do CDC trás o fornecedor como inteiro responsável pelos gastos pelo recall, haja vista que este dispositivo possui uma interpretação extensiva, como relata o grande professor Rizzatto.
[4] Rizzatto Nunes, em sua obra Curso de Direito do Consumidor (2004, p.141), ao aduzir sobre ao risco normal e previsível relata que a lei se refere à normalidade e previsibilidade do consumidor em relação ao uso e funcionamento rotineiro do produto ou serviço. Além disso, destaca-se que a regra legal, ao referir a expectativa do consumidor, está supondo o grau de conhecimento-padrão existente no mercado. Ao passo que estes aspectos normativos relativos ao consumidor e seu conhecimento padrão do uso e funcionamento regular dos produtos e serviços devem vir das informações necessárias e adequadas constantes no caput do artigo.
[5] No direito pátrio, o art. 8º reza o dever de informar do fornecedor. Rizzato Nunes, na obra supra-citada (2004, p.142), relata que este aspecto está relacionado ao risco à saúde e segurança do consumidor, e tal obrigatoriedade está intimamente relacionada ao núcleo da norma. Ou seja, o fornecedor deve informar sobre os riscos que não são normais e previsíveis em decorrência da natureza e fruição dos produtos e dos serviços, seja novo ou de conhecimento popular.
[6] O professor Guilherme de Souza Nucci, em Manual de Direito Penal (2005, p.830), destaca que no caso do art. 258, prevê-se, para os delitos dolosos de perigo comum, se houver resultado qualificador consistente em lesão corporal grave, a aplicação da pena aumentada da metade (logo, o mínimo e o máximo têm aumentado de metade). Quando houver morte, a pena será dobrada (o mesmo se faz quanto ao mínimo e ao máximo). Havendo, no entanto, nos delitos culposos, lesão corporal, a pena é aumentada da metade (lança-se o aumento na terceira fase); resultando morte, aplica-se a pena do homicídio culposo (detenção de um a três anos), aumentada de um terço.
[7] Ressalte-se que o termo consumidor ainda não era usualmente estabelecido pelo ordenamento, mas mesmo assim ainda demonstra os primeiros passos para a defesa da sociedade como um todo, como consumidores.
[8] Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.
[9] Sendo melhor esclarecido a luz dos elementos objetivos do tipo relatados pelo douto Guilherme de Souza Nucci (2005, p.1008), in litteratim: “Inovar (introduzir uma novidade capaz de gerar engano) artificiosamente (usar um recurso enganoso, malícia ou ardil), na pendência de processo civil e as sindicâncias), o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir ao erro o juiz ou perito”.
[10] Reza o mencionado artigo: “Art. 21. No fornecimento de serviços que tenham por objetivo a reparação de qualquer produto considerar-se-á implícita a obrigação do fornecedor de empregar componentes de reposição originais adequados e novos, ou que mantenham as especificações técnicas do fabricante, salvo, quanto a estes últimos, autorização em contrário do consumidor”.
[11] José Geraldo Brito Filomeno (2004, p.738) faz a seguinte ponderação: “Casos Práticos – Acórdão encontrado na Revista dos Tribunais nº. 687, ps. 296-298, decidiu acertadamente e dentro do enfoque ora discutido que ‘a comunicação ao serviço de proteção ao crédito, mantido pela Associação Comercial, e, consequentemente, o registro do nome do devedor inadimplente no cadastro da mesma, não caracteriza a violação à norma do art.71 do Código de Defesa do Consumidor, posto que, permitindo a lei a instalação dos denominados serviços de proteção ao crédito, como também o uso, equiparando-os a serviço público, sua utilização pelo credor não pode ser tida como abusiva, logo, ausente a possibilidade jurídica do pedido’.
‘Com efeito’, lê-se ainda no corpo do aresto citado, ‘o mesmo Código de forma a balancear as relações entre vendedor e consumidor, notadamente como forma de proteger o comerciante do mau pagador, permite que formem bancos de dados sobre os consumidores (art.43), equiparando os serviços de proteção ao crédito e congêneres a entidades de caráter público (parágrafo único)’ ”.