segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Convenção Americana dos Direitos Humanos:

O sistema regional interamericano de proteção dos direitos humanos tem como documento principal, fundamental, a Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como “Pacto de São José”, uma vez que foi aprovada e assinada em São José da Costa Rica, em 22.11.1969, quando da realização de conferência inter-governamental convocada pela OEA, apenas passível de adesão pelos Estados-membros da Organização dos Estados Americanos.

Carlos Weiss esclarece que a elaboração da Convenção “remonta a 1959, tendo sido um projeto encaminhado à recém-criada Comissão Interamericana de Direitos Humanos, mas sua edição foi ameaçada pelo surgimento dos pactos internacionais da ONU em 1966, eis que dois países – Argentina e Brasil – entendiam ser bastantes os tratados globais. Sua entrada em vigor ocorreu apenas em 1978, com o depósito do 11º instrumento de ratificação na Secretaria Executiva da OEA”[1].

A fim de obter a adesão dos Estados Unidos, “a Conferência de São José da Costa Rica decidiu deixar para um Protocolo à parte a declaração de direitos econômicos, sociais e culturais; Protocolo esse que só veio a ser aprovado na Conferência Interamericana de São Salvador, em 17 de novembro de 1988”. Além desse, outro “Protocolo adicional à Convenção é o acordo sobre a abolição da pena de morte, obtido na Conferência Interamericana de Assunção, em 08 de junho de 1990”[2].

O Brasil, ressalte-se, aderiu tardiamente à Convenção, tão-somente em 25.9.1992.
Analisando a Convenção, verificamos que esse documento aborda essencialmente os direitos civis e políticos, pelo que seu conteúdo é muito semelhante ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966. A Convenção abriga disposições que tratam do reconhecimento da personalidade jurídica, do direito à vida (garantido desde o momento da concepção), do direito à integridade pessoal (contempla a separação entre condenados e acusados de crimes e entre adultos e menores, conferindo às penas privativas de liberdade a finalidade de readaptar socialmente o condenado), do direito de não ser submetido à escravidão, direito à liberdade pessoal (aí compreendidos locomoção e residência, consciência e religião, pensamento e expressão, reunião e associação); também contempla as garantias judiciais, o direito à resposta (diante de informações inexatas ou ofensivas, emitidas pelos órgãos de comunicação em massa), privacidade, nacionalidade, participação no governo, igualdade perante a lei e a proibição da aplicação retroativa das leis penais.

Fábio Konder Comparato, analisando mais detidamente o conteúdo da Convenção, traça referências quanto a alguns direitos nela existentes. Diz que a disposição contida no art. 4º, que trata do direito à vida, representou um avanço em relação ao contido no Pacto dos Direitos Civis e Políticos de 1966, enfatizando que nesse caso se aplica o princípio da prevalência dos direitos que sejam mais vantajosos para a pessoa humana. Conseqüentemente é aplicado aquele direito que conferir maior proteção.

No caso, evidencia, a Convenção proíbe o restabelecimento da pena de morte nos Estados que a tenham abolido. Veda, ainda, a imposição da pena de morte a delitos políticos ou a delitos comuns conexos com delitos políticos, e assim, os Estados que aderiram à Convenção estão proibidos de adotá-la nesses casos, ainda que haja previsão no direito interno.

Além dessa consideração, o ilustre jurista, em relação a temas atualíssimos, que são o aborto e a clonagem, acentua que: “Ao dispor no art. 4.º que o direito à vida deve ser protegido pela lei desde o momento da concepção, vedou em princípio a legalização do aborto. Digo ‘em princípio’, porque a cláusula em geral, constante dessa disposição, parece abrir a possibilidade do estabelecimento de exceções à regra. De qualquer forma, tal como redigido, o artigo proíbe também, em princípio, as práticas de produção de embriões humanos para fins industriais (utilização de seus tecidos na fabricação de cosméticos, por exemplo), bem como na clonagem humana para finalidades não reprodutivas e, portanto, com destruição do embrião”. Admite tão-somente uma exceção, que considera eticamente admissível, a essa regra geral proibitiva, que é o caso “da obtenção de embriões clonados para tratamento de doenças neurodegenerativas do próprio sujeito ...” [3].

A esse respeito, sustenta a possibilidade da clonagem humana para fins terapêuticos (por exemplo, tratamento de doenças neurodegenerativas, como o mal de Parkinson ou o de Alzheimer) no próprio sujeito cujas células foram clonadas, ressaltando que: “Todas as outras práticas de fecundação artificial ou de engenharia genética violam, claramente, o princípio kantiano de que a pessoa humana não pode ser utilizada como simples meio para a obtenção de uma finalidade alheia, pois ela deve sempre ser tida como um fim em si mesmo”[4].

A Convenção, podemos ainda citar, proibiu a prisão por dívidas, excepcionando tão-somente a prisão administrativa decretada em razão de inadimplemento de obrigação alimentar (art. 7.º), elencou garantias judiciais (art. 8.º), e trouxe, pela primeira vez, disposição relativa ao direito à propriedade privada (uma vez que o Pacto de 1966 não tem qualquer previsão), e fê-lo, segundo Fábio Konder Comparato, num sentido justo e equilibrado, uma vez que o art. 21 estabelece que o uso e o gozo dos bens está subordinado ao interesse social. Ainda de importância, condenou a usura e toda forma de exploração do homem pelo homem, invocando que essas condutas devam ser reprimidas pela lei.

No que toca às garantias judiciais, Carlos Weiss[5] diz que tais garantias são, em regra, coincidentes com as consagradas no sistema universal, todavia destaca a prevista na alínea "e" (direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei), enfatizando que essa garantia não tem previsão no sistema global, inclusive está presente no texto constitucional brasileiro, no art. 134, que prevê a defesa e orientação dos necessitados por parte da Defensoria Pública.

Como já destacamos, a Convenção reconhece e assegura um rol superlativo de direitos civis e políticos; porém, praticamente nada menciona quanto aos direitos sociais, culturais e econômicos, inclusive não os enumera. A única referência encontrada está no art. 26: “Os Estados partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados”.

Resta ainda mencionar, quanto às possibilidades de suspensão ou derrogação dos direitos e garantias, que a Convenção segue o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, uma vez que elenca, no art. 27, item 2, o rol de direitos não passíveis de suspensão, mesmo naquelas situações que permitam essa medida.

Quanto ao sistema de monitoramento, esse é integrado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

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[1] Op. cit. p. 99.
[2] COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 2.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 364-365.
[3] Op. cit. p. 365-366.
[4] COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit. p. 293.
[5] Op. cit. p. 100.

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