segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

A interpretação: Interpretação autêntica e não autêntica

O órgão jurídico fixa o seu sentido através de uma operação mental de interpretação, que é acompanhada por um processo de aplicação do Direito no seu progredir de um escalão superior para um escalão inferior cujo conteúdo há de dar à norma individual ou resolução administrativa uma aplicação a um caso concreto.

Mas também os indivíduos que observam e praticam a conduta que evita a sanção, precisam compreender e determinar o sentido das normas jurídicas. E, finalmente, a ciência jurídica quando descreve um Direito positivo, tem de interpretar as suas normas.

Desta forma, existem duas espécies de interpretação:
· A interpretação do Direito pelo órgão que o aplica;
· A interpretação do Direito que não é realizada por um órgão jurídico, mas sim por uma pessoa privada e pela ciência jurídica;

-> Interpretação autêntica:

A relação entre um escalão superior e um escalão inferior é uma relação de determinação ou vinculação: a norma do escalão superior regula o acto através do qual é produzida a norma do escalão inferior, não só o processo, mas também o conteúdo da norma a estabelecer ou do acto de execução a realizar.

A norma do escalão superior não pode vincular em todas as direções o acto através do qual é aplicada. Mesmo uma ordem pormenorizada é possível deixar àquele que cumpre ou executa uma pluralidade de determinações a fazer.

A indeterminação pode respeitar tanto ao facto condicionado como à conseqüência condicionada. A indeterminação pode mesmo ser intencional, ou seja, estar na intenção do órgão que estabeleceu a norma a aplicar.

No entanto, a indeterminação do acto jurídico pode também ser conseqüência não intencional da própria, pois há uma pluralidade de significações de uma palavra, já que o sentido verbal da norma não é unívoco, logo o órgão que tem de aplicar a norma encontra-se perante várias significações possíveis.

Em todos estes casos de indeterminação, intencional ou não, do escalão inferior, oferecem-se várias possibilidades à aplicação jurídica. O Direito ao ser aplicado forma uma moldura dentro da qual existem várias possibilidades de aplicação, em que é conforme ao Direito todo acto que se mantenha dentro deste quadro (ou moldura), ou que preencha esta moldura em qualquer sentido possível.

A interpretação tem como objetivo fixar por via cognoscitiva o sentido do objecto, pois uma lei não deve necessariamente conduzir a uma única solução (esta sendo a única correta), mas possivelmente a várias soluções.

A interpretação das jurisprudências não só determina a moldura, mas desenvolve um método que se torna possível preencher ajustadamente a moldura prefixada a apenas uma única solução fundada na própria lei através do entendimento, e não em uma vontade própria.

Não há qualquer critério com base no qual uma das possibilidades inscritas na moldura do Direito a aplicar, possa ser preferida a outrem, pois há várias significações verbais de uma norma, sendo assim, não existe uma única solução, já que há várias significações possíveis. Todos os métodos de interpretação até ao presente elaborado conduzem sempre a um resultado apenas possível, nunca um resultado que seja o único correcto.

-> Interpretação não autêntica:

A teoria tradicional da interpretação relata que a norma jurídica aplicada não poderia ser obtida através de qualquer espécie de conhecimento do Direito preexistente, problema este da política do Direito. Assim, através da interpretação não podemos extrair as únicas leis corretas, tão pouco podemos, a partir das leis, por interpretação, obter as únicas sentenças correctas.

Na medida em que, na aplicação da lei, para a fixação da moldura dentro da qual se mantêm o acto, possa ter lugar para uma atividade cognoscitiva do órgão aplicador do Direito, não se tratará de um conhecimento do Direito positivo, mas de outras normas que podem incidir sobre a moral, a justiça, etc.

A interpretação jurídica realizada pelos órgãos aplicadores do Direito advêm da interpretação cognoscitiva do Direito mais o acto de vontade que o órgão aplicador do Direito efectua. Com este acto é produzida uma norma de escalão inferior.

A interpretação feita pelo órgão aplicador de Direito é sempre autêntica. Ela cria o Direito. Na verdade, só se fala de interpretação autêntica quando esta interpretação assume a forma de uma lei ou de um tratado de Direito internacional e tem caráter geral, quer dizer crie Direito não apenas para um caso concreto, mas para todos os casos iguais.

Mas a interpretação autêntica não só tem caráter geral, mas também no caso em que é produzida uma norma jurídica individual através de um órgão aplicador do Direito, desde que o acto deste órgão já não possa ser anulado, desde que ele tenha transitado em julgado.

Desta maneira observamos que a interpretação não autêntica distingue-se da interpretação autêntica através de um órgão aplicador do Direito, já que a interpretação autêntica é a única a poder criar o Direito.

Devemos nos atentar que se enquadra na interpretação não autêntica a interpretação da ciência jurídica. Interpretação esta que é a pura determinação cognoscitiva do sentido das normas jurídicas, pois ela não é criação jurídica. A idéia de que é possível, através de uma interpretação simplesmente cognoscitiva, obter Direito novo é o fundamento da jurisprudência dos conceitos, este que repudia a Teoria Pura do Direito. Esta corrente acredita que o preenchimento da lacuna do Direito é uma função criadora de Direito que só pode ser realizada por um órgão aplicador da mesma e esta função não pode ser realizada por via da interpretação do Direito vigente.
A interpretação jurídico científico não pode se não estabelecer as possíveis significações de uma norma jurídica.


Bibliografia:
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra: Arsênio Amado, 1984.

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